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“Protegido pela fé”, casal não quer saber de muro alto no endereço de 40 anos

Circuito MS

9:50 14/08/2018

[Via Campo Grande News]

Como uma chácara do interior, a casa de Leila e Luisinho chama atenção pelo charmoso portão, que é na verdade uma porteira, além do telhado irregular e dos tijolinhos aparentes. O endereço está ali há 40 anos, levantado pelo casal que esperou os mais de 6 anos de construção da casa para dizerem “sim” um ao outro.

Construída bem no começo da Rua da Paineiras, no bairro São Francisco, a casa fica no mesmo espaço em que, antigamente, havia uma baixada. “O povo usava nosso terreno como rua, pra ir até a Amazonas, cortar caminho. Quando começamos a construir os poucos vizinhos que tínhamos reclamavam que agora teriam que andar mais”, lembra Leila.

 Desde de que mudou para a primeira casa própria Leila ouve elogios à fachada. “Todo dia alguém passa devagar, olhando. Pede pra tirar foto, pra fazer uma casa igual a minha e  eu deixo. Depois da minha, eu já vi pelo menos umas 5 casas idênticas, que usaram o tijolo, a coluna central, as mesmas características”.

O pessoal acha estranho que a casa não tenha “segurança”, mas Leila diz ser protegida pela fé e, depois de tanto tempo ali, conta só ter sido assaltada uma vez, antes de o casal ter seus filhos.

Mas a casa, assim como a história da família, carrega uma surpresa. Como o terreno era uma baixada, o engenheiro Jorge Haddad, responsável pelo projeto com o arquiteto Roberto Hudson, deu duas opções aos, até então, noivos. “Ou nós gastávamos mais nivelando todo o terreno ou nós aproveitávamos do terreno irregular na parte de trás da casa para fazer uma espécie de sobrado. A segunda opção gastava menos, e foi o que fizemos. Então a partir do corredor, minha casa tem uma varanda embaixo, onde eu recebo minha família, faço nossos almoços”.

O improvável casal se conhece desde a infância. Luís era amigo dos primos de Leila. Ele descendente de japoneses, ela de libaneses, foi pela proximidade das famílias Shasha e Kawano que não encontraram resistência na hora de assumir o relacionamento.

Leila conta que demorou muito tempo até que ela enxergasse Luís como um possível namorado. Na verdade, foi lá pelos 23 anos, quando foi trabalhar na antiga concessionária da família, que a chavinha da paixão tomou conta do coração da libanesa. “Ele com seu cuidado comigo, me acompanhava da faculdade até minha casa, ganhou a mim e a minha família”.

Quem diz que os opostos se atraem já devem ter conhecido de perto esse casal, que encontrou nas diferenças a chave para o respeito. Ele gosta de branco, ela de preto. Ele gosta de mato, ela da cidade. Ele gosta de rock, ela de MPB. E mesmo assim, completam 40 anos de muita cumplicidade. Do amor improvável, dois filhos criados, com seus 30 e poucos anos, e dois netos.

Da janela da cozinha dá pra ver toda a cidade. A paisagem mudou muito, ganhou grandes prédios, como lembra Leila. “Mas o por-do-sol continua lindo”.

Debaixo daquele teto, a mãezona da casa, que é quem cuidou da criação dos filhos e tratou de conservar os mínimos detalhes do lar, desde o piso de lajotinhas até do quintal, considera ter sido muito feliz na simplicidade em que a família escolheu viver. “A gente tem muitos problemas mas nada que com calma a gente não consiga resolver, como sempre fizemos”.

Mesmo há tanto tempo no bairro, depois de ver tantos vizinhos partirem para uma melhor, aos 69 anos, o casal diz nunca terem se considerado os donos do São Francisco. “Pelo contrário, tínhamos um vizinho, seu Chico, que tinha uma casa na outra esquina. Na época a água encanada estava chegando no bairro e ele disse que tinha uma fonte particular, que ele tirava de uma base militar que tinha por ali, e Chico chegou a nos dizer que só deixaria a gente usar a água porque sentiu que nós éramos do bem”.

Foi com os vizinhos que o casal aproveitou uma das épocas mais difíceis, quando os filhos saíram da cidade para cursar a graduação. Luis sofreu com o lar vazio e foi Leila quem precisou se virar para trazer a alegria de volta á casa. E pra isso, ela organizou durante 13 anos, durante todos os sábados, uma noite de jogatina de cartas.

“Ele tinha o costume de ouvir rock com os meninos e quando eles foram pra fora só de ouvir Luis já caia aos prantos. Foi o baralho que salvou ele da depressão”. Quando os meninos voltaram pra casa, as noites com os vizinhos acabaram e deram vez a uma nova fase da família. “Os almoços de domingo voltaram e toda semana nos reunimos, agora com a família maior, com noras maravilhosas, e netos incríveis. E é por isso que eu não pretendo nunca sair daqui, só me traz boas lembranças”.

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