No meio do nada, banquinha de autoatendimento sobrevive da honestidade
17:50 26/11/2018
[Via Campo Grande News]
No fundão de Terenos, em meio ao nada, uma banquinha improvisada oferece todos os dias 10 saquinhos de legumes e verduras por R$ 2,00 cada. Não tem vendedor, não há fiscalização, por isso a forma de pagamento causa estranheza. O pequeno cofre azul, daqueles bem antigos, preso ao tronco que forma a banca, espera que a honestidade de quem compra garanta o depósito do valor pedido.
A visão é daquelas de esfregar os olhos para ter certeza se é verdade. Mas, a verdadeira história do lugar está a 800 metros a fundo da banca, onde mora o dono da vendinha inusitada.
Com as mãos vermelhas de barro, Alcione Paim Anastácio, 52 anos, recepciona a equipe desconfiado. “Como me acharam? Eu gosto de privacidade!”, disparada o homem.
Mas logo de saída resume a história dizendo que foi parar no lugar depois de não sentir mais propósito em morar na Europa. Largou tudo para viver com a esposa holandesa na paz oferecida pelo mato, mais especificamente 15 quilômetros adentro da área rural de Terenos, em região conhecida como Colônia Nova.
A vendinha, segundo ele, rende sagrados R$ 20,00 todos os dias. O lugar é tão longe que nem a desonestidade consegue chegar, já que há um ano, no fim do dia, o dinheiro está na “caixa registradora” inusitada, religiosamente.
A dureza de quem desacostumou a ver gente só é quebrada quando demonstrado o interesse pelo trabalho com a terra. Com semblante agora mais amigável, Alcione vira guia na propriedade com 6 hectares.
Ele conta que saiu de Aquidauana aos 20 anos, num intercâmbio da faculdade de Agronomia, que cursava em Dourados. A chance foi agarrada por ele e rendeu mais de 20 anos na Europa, largou agronomia e acabou se formando em radiodiagnóstico médico lá fora.
Casou, teve quatro filhos com a esposa holandesa e decidiu voltar ao Brasil há cerca de 10 anos para viver da terra. “Moramos há dois anos aqui, depois de sair de outra propriedade rural em Aquidauana. O lugar ainda parece acampamento. Queria ensinar os meus filhos que trabalho e mais trabalho não é tudo”, diz.
A banquinha, segundo ele, surgiu mais como forma de protesto em relação aos preços absurdos cobrados pela Ceasa e os supermercados, além do governo que taxa tudo e compromete a renda no campo.
“É tudo produzido aqui e de maneira consciente. Só não dá pra falar que é orgânico porque não tem selo mesmo”, detalha o homem, que em seguida mostra a única bombinha laranja, usada para borrifar manualmente o extrato de plantas produzido por ele mesmo para o controle de pragas.
Na terra, Alcione mostra que no momento são cultivados berinjela, jiló e até feijão de corda. Mas, segundo ele, outros legumes como vagem também foram produzidos. “Tudo vai de acordo com a época né”, explica.
O plano, de acordo com Alcione, é um dia levar alguns produtores até o lugar e mostrar que é possível viver com o que se produz,. Talvez o sonho só não se concretize já que o homem diz já pensar em retornar a Europa para providenciar sua aposentadoria.
“Tenho quatro filhos. Dois deles moram na cidade para estudar no IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul). O mais velho mesmo, de 17 anos, diz que pretende voltar a Holanda e talvez ele vá até antes da gente”, conclui.
Sobre o valor arrecadado com os vizinhos chacareiros, o produtor revela que de fato não dá para sobreviver com R$ 20,00, mas “paga uma gasolina quando a gente precisa”, conta com bom humor.
Nunca faltou qualquer centavo no fechamento do caixa, diz Alcione. Por isso, quem paga tem crédito e assim, dia após dia, a reposição é feita na banquinha da honestidade.
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