Com rojões e bombinhas, o que era pra ser só alegria virou luto na casa de Kiara
12:35 02/01/2019
[Via Campo Grande News]
Mesmo com todo apelo feito nas redes sociais, muita gente ainda usa rojões e bombinhas para celebrar a virada do ano. Mas o barulho infernal no dia 31 de dezembro, ou em dias de título no futebol, para a assistente administrativa Lígia Ferreira agora vai lembrar luto.
Ela saiu de casa para passar comemorar o Réveillon com a família do esposo e deixou a cadelinha Kyara em casa, no bairro Santa Luzia. Apesar de ter medicado Kyara com calmantes, a border collie de três anos de idade não resistiu ao estresse e infartou. Quando o casal voltou para casa, ela já estava morta. “Ela sempre foi saudável, era vacinada, nunca ficou doente. Sempre foi agitada, mas sempre foi muito amorosa com a gente. Ela era super protetora, tinha ciúme do Mateus, meu filhinho de seis meses”, conta Lígia, que começou o ano de luto pela perda da cachorrinha.
Lígia explica que Kyara ficou traumatizada depois que um rojão caiu em seu quintal, no Natal do ano passado. “De lá pra cá, ela não podia ouvir fogos que já entrava em pânico, se escondia dentro de casa, destruía as coisas”, lembra.
Kyara era carinhosa com a família. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ela conta ainda que essa não é a primeira vez que esse costume de soltar rojões interrompe as celebrações de Ano Novo da família. Lígia já foi atingida por fogos que um vizinho soltou. “Há uns três anos, eu tava na casa da minha sogra, com meu parentes, e do nada fui atingida na coxa por um rojão que caiu no nosso quintal. Eu passei a virada no pronto socorro, por causa disso. Tenho cicatriz até hoje”, mostra ela, lembrando que por pouco o acidente não fez uma vítima fatal. “Foi um susto muito grande pra todo mundo, porque por pouco não atingiu um bebê que tava no colo da minha prima bem do meu lado”.
Mas Lígia ainda acredita que é possível mudar a maneira como comemoramos datas festivas e até a vitória do time do coração. “Precisa ter uma mudança. Se a gente pegar firme, se todo mundo abraçar essa campanha, se conscientizar. Mas vai demorar”, considera. Ela admite que sua família já soltou muito rojão, mas diz que depois que souberam dos estragos que a festança pode causar, abandonaram o costume. “Quem nunca soltou fogos? Minha família já soltou, mas faz tempo que paramos. E a gente nem tinha cachorro ainda, mas depois que a gente aprendeu que faz mal, nunca mais soltou”.
Para ela, o problema está na falta de solidariedade. “Só quem tem animal em casa, tem essa consciência. As outras pessoas não estão nem aí. Ninguém para pra pensar que tem família que deixa de sair pra ficar cuidando dos animais em casa porque o vizinho não sabe fazer uma festa sem soltar rojão”, desabafa.
Reia já chegou a arrombar o portão da casa para fugir. (Foto: Arquivo Pessoal)
Uma dessas pessoas que não pode sair de casa para curtir as comemorações com os amigos é a médica veterinária Gracieli Vilela, de 27 anos, que mora na Vila Planalto. Ela diz que prefere ficar e cuidar das pequenas Cross e Reia, uma border collie e uma pitbull. “Eu tenho medo da Cross ter um infarto e morrer, porque ela fica muito estressada com os fogos, ela fica desorientada de medo, então eu preciso dar calmante e ficar com ela. No Natal passado a Reia ficou com tanto medo que conseguiu levantar o portão e fugir. Ela ficou uma semana fora de casa, perdida”, conta.
Gracieli diz que já são mais de cinco anos tomando esses cuidados. “Eu preciso me programar porque sempre nessas datas as pessoas soltam rojão – Natal, Ano Novo, campeonato de futebol – sempre tem. Eu não marco viagem, não saio com os amigos, tenho que ficar em casa com ela”.
Experiente na vigília, dá algumas dicas para quem também enfrenta esse tipo de problema em casa com os pets. “Eu coloco música em casa para tirar a atenção delas do que está acontecendo lá fora, deixo as luzes acesas para mostrar que eu tô aqui, que elas estão protegidas dentro de casa, fecho as janelas”, ensina.
Outra técnica que pode ajudar a diminuir o estresse dos bichinhos é agir como se nada de diferente estivesse acontecendo. A veterinária explica que se o animal perceber que todo mundo está agindo normalmente, pode associar o barulho a algo natural, que não oferece perigo. Mas ela lembra que nos casos em que o cãozinho fica muito estressado, é melhor protegê-lo para evitar que ele se machuque.
Cross sofre com o barulho dos rojões. (Foto: Arquivo Pessoal)
“Todo animal se assusta com o barulho de um rojão, até a gente, mas os cachorros são mais afetados porque têm uma audição muito mais sensível que a nossa, então um barulho que a gente já acha alto, eles acham insuportável e aí podem perder o controle, ficar desorientados. Cada animal reage de um jeito – alguns querem se esconder e outros querem fugir. Alguns, mais tranquilos, só com um tampão de algodão no ouvido já resolve. Outros são mais agitados ou estressados, pode acontecer de ter uma parada cardíaca, ou se o animal for epilético, ter uma convulsão”, explica a médica veterinária.
Para ela, o que falta nas pessoas é empatia, se importar com o outro. Mesmo em época de Natal, quando as pessoas tanto falam de amor, caridade e paz, o que temos são exemplos de insensibilidade. “As pessoas não pensam no próximo, porque não é só cachorro que sofre com isso, tem bebê, tem gente que é autista, tem idosos, a gente passa mal com tanto barulho, e é uma coisa que se não tivesse, não ia fazer falta, o Natal ia ser lindo do mesmo jeito”, desabafa ela, acrescentando que também há quem, por falta de informação, simplesmente não tem noção do quanto a prática é prejudicial: “tem gente que pensa que ‘só assusta’, mas rojão é uma coisa que pode levar à morte”.
Gracieli finaliza dizendo que além de tudo, o rojão é um desperdício de dinheiro e nos deixa com a reflexão. “Explodiu acabou, não serve pra nada. Por que não pega esse dinheiro e gasta com outra coisa, com uma boa ação, começando o ano ajudando alguém?”.
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