Em áudio que racha PF e MPF, foragido ri e delegado dá dica a fazendeiro
14:35 13/03/2019
[Via Campo Grande NEws]
“Doutor do céu, arrumou a cama pra mim aí já ou não?! (risos)”. Com essa frase, o fazendeiro Dionei Guedin, que estava com prisão preventiva decretada pelo ataque a índios com uma morte em Caarapó, abre o diálogo com Denis Colares de Araújo, delegado da PF (Polícia Federal). A conversa foi às 8h44 de 22 de agosto de 2016 e coloca em lados opostos duas instituições conhecidas por atuação conjunta em operações e força-tarefa: o MPF (Ministério Público Federal) e a Polícia Federal.
Para a procuradoria, o diálogo abriu uma série de crimes: inserção de dados falsos em sistema da polícia, falsidade ideológica e prevaricação. A Corregedoria da PF não detectou irregularidade, mesma decisão da Justiça Federal de Dourados, que extinguiu o processo. Por sua vez, o MPF recorreu ao TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) na tentativa de derrubar a decisão.
Retomando o diálogo captado durante monitoramento da PF de suspeitos do ataque, o delegado responde que não e esclarece: “Não tem um pedido da gente, o Inquérito que tava com a gente não tinha um pedido de prisão p*** nenhuma. Inclusive a nossa relação com o MPF f**** de vez… Agora, vocês fazendeiros tem que se unir e bater no MPF”, diz Denis de Araújo.
O fazendeiro não aceita a dica, conta que vai se entregar depois do almoço e pede que o interlocutor não comente. O delegado prossegue e “dá” a fórmula: “É bater na imprensa, chamar a mídia e bater neles, porque eles gostam de tá bem com a população”.
Na sequência, Dionei Guedin se entregou na tarde de 22 de agosto de 2016, mesmo dia da conversa. A prisão preventiva de Guedin e dos agropecuaristas Jesus Camacho, Virgílio Mettifogo, Eduardo Yoshio Tomonaga, o “Japonês”, e Nelson Buainain Filho, dono da fazenda Yvu, onde ocorreu o ataque, foi decretada no dia 5 de julho de 2016 pela Justiça Federal de Dourados. As ordens foram cumpridas pela PF em 18 de agosto. Dionei estava em viagem e se apresentou depois.
Na ocasião, sobrou troca de farpas entre a Polícia Federal e o MPF. A procuradoria reclamou da demora de 40 dias para cumprir os mandados de prisão e falta de prioridade para as questões indígenas em Mato Grosso do Sul. A Polícia Federal respondeu que atua com imparcialidade e que faltou bom senso em pedir as prisões sem informações básicas sobre os locais em que os mandados seriam cumpridos.
Fé pública – Em 31 de julho de 2017, o Ministério Público denunciou agente e delegados da Polícia Federal por falsidade ideológica e crimes contra a fé pública. De acordo com o MPF, entre 22 de agosto e 8 de setembro de 2016, os acusados, valendo-se da estrutura da Delegacia de Polícia Federal de Dourados, excluíram informações corretas e inseriram dados e legendas falsos no Sistema Guardião, utilizado para escutas judicialmente autorizadas.
Conforme a procuradoria, eles também omitiram declaração que deveria ser repassada ao MPF, colocando em seu lugar uma outra, ideologicamente falsa, que alterou a verdade sobre fato juridicamente relevante. Ainda foi relatado à Justiça Federal que o procedimento disciplinar interno da PF, que investigava o caso, foi arquivado, sob o argumento de que “o fato não configura evidente infração disciplinar ou ilícito penal”.
Em decisão de janeiro de 2018, a Justiça rejeitou a denúncia contra o agente Álvaro Victor dos Santos Neto e os delegados Denis Colares, Fernando Araújo Campos e Nivaldo Lopes da Silva. Também foi rejeitado o pedido da Polícia Federal para acionar o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), órgão de controle da atuação do MPF.
Ontem (dia 12), o MPF divulgou à imprensa o recurso ao TRF 3, contudo, não informou como tomou ciência do diálogo. O Campo Grande News entrou em contato com a Polícia Federal e não recebeu resposta até a publicação da matéria.
Carne Fraca – O processo informa que com a descoberta do contato entre o foragido e o delegado, foi autorizada quebra de sigilo telefônico do delegado Denis Colares de Araújo. Ao todo, houve identificação de três ligações em 2016: 27 de junho, 20 e 22 de agosto. Não há registro de repasse de informação sigilosa e o inquérito sobre o ataque aos indígenas era presidido por outro delegado da Polícia Federal.
O MPF ainda detalha que a situação foi tratada em duas reuniões internas da polícia e por maioria, os delegados teriam entendido que o contato entre Denis e o foragido não deveria ser informado ao Ministério Público Federal e à Justiça Federal.
A decisão que extinguiu o processo lembra que foram trágicas as interpretações de áudio realizadas por analistas da Polícia Federal durante a operação “A Carne é Fraca”, com ampla divulgação nos meios nacionais de mídia sobre mistura de papelão na carne, depois foi esclarecido que era para embalar o produto.
Para o MPF, a Justiça Federal em Dourados, ao analisar a admissibilidade da denúncia, praticamente julgou os acusados, isentando-os de qualquer culpa, e extinguindo a ação penal.
Ataque – O ataque aos indígenas, ocorrido em 14 de junho de 2016, aconteceu dois dias depois de invasão na Fazenda Yvu, em Caarapó, a 283 km de Campo Grande.
Os proprietários afirmam que os índios também atiraram, mas não houve registro de feridos do outro lado do confronto. O episódio teve seis índios feridos e um morto: o agente de saúde indígena Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza, 26 anos.
Na sequência, os índios investiram contra um caminhoneiro que seguia na estrada ao lado da aldeia, queimaram o caminhão e uma colheitadeira. Três policiais militares que seguiam para a área de conflito também foram atacados, espancados com pedaços de pau e tiveram as armas e os coletes roubados.
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