Meio Ambiente

Entre eucaliptos, formigueiro surgiu onde nascente do Guariroba secou

Circuito MS

8:35 23/09/2019

[Via Campo Grande News]

A manhã é colorida com tons de seca: amarelos, verde musgo, alaranjado. É seguindo pela BR 262 que setembro ganha cores de estiagem às margens da rodovia. Depois de 35 km, saindo de Campo Grande, chega-se à estrada vicinal conhecida como “Estrada do Gasbol”. É caminho que guarda a entrada da APA (Área de Preservação Ambiental) dos Mananciais do Córrego Guariroba, curso d’água que representa, junto com o Lajeado, 50% do abastecimento de água da Capital de um dos estados com mais recursos hídricos do País.

Garganta seca faz contradição onde, em tese, vive o oásis de água doce que chega até a torneira do campo-grandense. Quase na porta da linha invisível que marca a chegada à APA, as florestas já começam a aparecer. São eucaliptos, árvores que tomam conta do estado com a segunda maior área plantada do Brasil, segundo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísica), parte da imensa e lucrativa indústria da celulose em Mato Grosso do Sul.

Dividem a paisagem, claro, com a maior atividade desenvolvida nessa região, a pecuária. Entre pastos “cor de estiagem” e florestas verde escuro, havia uma nascente. Vivia porque morreu e deu lugar a um formigueiro. É uma das inúmeras nascentes do Guariroba. Atrás dela, cresce exuberante porção plantada com eucaliptos.

É prematuro e certamente arriscado dizer que secou por conta da nova floresta. Não há pesquisa, ainda, que indique, e não há conclusões científicas sobre a forma como o eucalipto suga os recursos hídricos do solo. Mas sabe-se que suga. Estima-se que árvore com um quilo de madeira consuma 350 litros de água, dado presente no Plano de Manejo da APA do Guariroba, publicado só 13 anos depois que a APA foi criada.

A APA – A APA do Guariroba foi criada por decreto municipal em 1995, o Plano de Manejo, publicado em 2008. Com área total aproximada de 360 quilômetros quadrados, o território da APA é caracterizado essencialmente pela ocupação rural, com propriedades voltadas à pecuária extensiva. Agora, ganha espaço o eucalipto.

A história desse território que um dia já foi todo de mata nativa do cerrado é marcado por degradação quase completa, e pedido de socorro, antes da APA ser criada em 1995, e depois, pela recuperação de cerrado e pastagens. Desde então, é marcado pela luta constante de preservação do Guariroba. Este córrego que se bebe é suor de cerrado. Sem solos preservados e mata nativa, pode morrer.

Convive não só com a pressão antrópica, ou seja, a ocupação humana, mas também com as cerca de 62 propriedades rurais entre pequenas, médias e grandes que têm em sua maior parte, gado e em menor, plantio de eucalipto. A maior fazenda, segundo o Plano de Manejo de 2008, tem 5.480,5 hectares.

O pesquisador Ademir Kleber Morbeck de Oliveira  durante visita à área. (Foto: Marina Pacheco)O pesquisador Ademir Kleber Morbeck de Oliveira durante visita à área. (Foto: Marina Pacheco)

Doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) e professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Uniderp, Ademir Kleber Morbeck de Oliveira costuma levar os alunos até a APA. Antes de entrar propriamente na área, faz uma parada na nascente que secou. Um alerta futuro, costuma dizer.

“Nesses 10 anos que antecederam a APA ela foi praticamente dizimada. E aí a partir disso se iniciou um processo para fazer com que fosse reflorestada com recomposição das áreas. Em 2017, outro tipo de vegetação começou, que são as plantações de eucalipto”, comenta.

Para Ademir, hoje os riscos para a APA são dois, um em maior e outro em menor grau. O primeiro solos expostos e degradados. O segundo, a expansão desordenada de eucalipto. “Atualmente se formos avaliar temos quase 18 mil hectares de pastos degradados, áreas expostas e quase 3 mil hectares de eucalipto. Isso significa que o problema atual são dois”, reforça.

O pesquisador não critica o plantio dessa árvore tão viável economicamente, mas sim o risco da falta de cuidado ao plantá-la em qualquer local. Também arrisca relacionar a nascente que secou com a floresta que fica atrás dela. “O impacto do eucalipto é muito recente, o que eu percebi é que o plantio, se não tiver um zoneamento…levou uma nascente a desaparecer. Se esse plantio continuar aumentando você pode ter menor quantidade de água superficial. Tem muito solo descoberto, causou um assoreamento brutal e o eucalipto está sendo plantado”, disse.

Defesa – Presidente ARCP (Associação de Recuperação, Conservação e Preservação da Bacia do Guariroba), Claudinei Menezes Pecois, que tem propriedade na APA, afirma que o impacto do eucalipto é ausente nas reuniões do Conselho Gestor da APA e defende que as pesquisas que levam o eucalipto a ser chamado de “deserto verde” não são consenso.

“Existe o conselho gestor, tem reunião mensalmente, eles nunca indicaram problemas de que há eucalipto na região. Já houve problema de plantio muito próximo dos córregos, de deixar galão de agrotóxicos que não poderia deixar. A empresa foi autuada quando chegou perto do córrego, no geral são poucos casos. Tem estudo que fala que é bom e tem estudo que fala que é ruim”, comentou.

A empresa Águas Guariroba tem a outorga para gerir o abastecimento de água de Campo Grande desde 2000. Coordenador de meio ambiente e qualidade da concessionária, Fernando Garayo declarou que é preciso mais estudos para entender o impacto do eucalipto na região.

“Essa questão do consumo de água do eucalipto tem que ser estudada. Existem fatos e mitos dos dois lados. Eu, atualmente, nunca vi nenhum estudo científico que fale que isso seja significativo ao ponto de secar um rio. Então assim, acho que vale a pena uma consulta melhor, desenvolver alguns estudos não somente na APA, mas buscar alguns estudos nesse sentido”, disse.

De um lado eucalipto, do outro, cerrado (Foto: Marina Pacheco)De um lado eucalipto, do outro, cerrado (Foto: Marina Pacheco)

Há em Campo Grande, segundo dados do Siga (Sistema de Informação Geográfica do Agronegócio), da Famasul (Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) 24.027 hectares de área plantada de eucalipto, o que corresponde a 2,20% da área plantada em Mato Grosso do Sul. Para plantar eucalipto na APA do Guariroba é preciso ter autorização do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul).

“O que a gente verifica é o seguinte: todo plantio de eucalipto é devidamente licenciado pelo Imasul. E o próprio plano de manejo acaba prevendo. Ele até incentiva você a criar corredores ecológicos entre as reservas legais. Então se é uma reserva legal, um fragmento aqui, outra reserva, fragmento aqui. O Plano de Manejo incentiva você a plantar eucalipto nessa área para servir de alguma maneira para um corredor ecológico da Fauna. Então eu verifico assim: ambas atividades [pecuária e eucalipto] têm seus impactos. Qualquer atividade do homem tem os seus impactos e cabe a gente minimizar esses impactos”, complementa Fernando.

Por meio da assessoria de imprensa, o Imasul informou que não há licenciamento para plantio de eucalipto, considerado espécie “exótica”. O produtor apenas deve informar sobre o plantio e sobre o corte da porção plantada.

A temida estiagem – Beber água, tomar banho, regar as plantas ou qualquer outra atividade em Campo Grande vem 50% da água superficial da soma entre Guariroba e Lajeado (diminuição, aliás, de 10% em 9 anos, já que em 2010 era 60%) e 50% das chamadas “fontes alternativas”, poços perfurados que captam água subterrânea de aquíferos. Todo esse conjunto não impediu que a cidade sofresse racionamento que começou há dias, fruto de uma estiagem “atípica” que assola a Capital com falta de chuva e aumento de consumo.

Não há o que temer, garantem alguns pesquisadores, empresa e produtores rurais. Ainda assim, cuidado nunca é demais, já que o oásis onde o “cerrado soa” e nasce o Guariroba é escondido de quem bebe água em Campo Grande. É preciso desbravar pasto, gado, árvores frondosas, estrada, garganta seca e agora, eucalipto, para poder vê-lo e não é todo mundo que o vê.

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