Em júri de crime brutal, plateia só 1 interessado em morte de “drogada”
13:50 26/09/2019
[Via Campo Grande News]
De um lado do plenário, cadeiras ocupadas pela equipe do juiz. Do outro, o auditório praticamente vazio. Ao contrário de cena de novela, o júri de um crime brutal contra uma mulher de 25 anos não tinha ninguém da família. Dos 111 lugares, cinco estavam ocupados por estudantes que nunca conheceram a vítima. Apenas 1 pessoa apareceu realmente preocupada em justiça no caso que parece não fazer diferença quando a vítima é usuária de drogas.
Jenenffer de Almeida foi encontrada com sinais de espancamento, cortes pelo corpo e rosto na madrugada do dia 26 de março de 2018, no Bairro Nova Campo Grande. Ela foi socorrida com vida, mas morreu dentro da ambulância. Ontem (25) um dos acusados de cometer o crime foi condenado a 16 anos e seis meses de prisão pelo assassinato.
Esse caso é um dos muitos casos de decisões judiciais sobre assassinatos, inclusive, contra mulheres. O tema, porém, não gerou comoção como outros júris que ganham plenários lotados, como o do policial rodoviário federal que ganhou até torcida organizada de camisetas depois de matar um empresário durante abordagem.
Na plateia reduzida, estudantes de Direito, uma psicóloga e uma dona de casa de 69 anos ouviam atentos as argumentações de defesa e acusação. Mas só um rapaz, de 33 anos, tem história com a vítima. Ex-namorado de Jenenffer, o homem que pede para não ter o nome divulgado, compareceu ao lado da mãe. “Minha história era um pouco parecida com a dela. Eu também fui um usuário de drogas”, o que para ele justifica a ausência da família e a frieza diante do caso. “Para muitos, ela era só uma drogada. É isso que pensam quando pessoas dependentes químicas morrem nas ruas”.
A lição do julgamento veio junto com todas as alegações, inclusive, de que ela assumira o risco ao consumir drogas. Um tanto óbvio para o ex-companheiro que durante mais de 15 anos se viu nas ruas atrás de dinheiro para sustentar o vício no crack. “Nada justifica. Independente dela ser um usuário ou não, ninguém nessa vida merece morrer assim, ninguém”, repete em tom de revolta.
Ao lado dele, a mãe de 69 anos, também saiu de casa, na região sul da cidade, para acompanhar o julgamento. Receosa com a imprensa, ela até tenta desconversar. “Achei que era o júri de outra pessoa”. Mas termina afirmando que conhecia Jenenffer e lamenta a morte brutal. “Era uma boa menina. O que aconteceu com ela foi uma tristeza”.
A dona de casa disse que também resolveu ir ao júri porque até na morte se espera por alguma dignidade. “É muito triste esse vazio. Eu entendo, porque eu sou mãe e sei o quanto é difícil sofrer com as drogas. Mas ela era uma menina, quem fez isso tem que pagar. Eu espero por justiça”.
Hoje ele é acadêmico de Direito e consegue avaliar que o vazio do plenário reacende uma discussão antiga sobre a dependência química. “Parece que você é menos por ser um drogado. Entende?”, questiona. “Eu assisto um júri como esse e fico pensando como lutar pelo direito de pessoas como ela ou como eu”.
Na cadeira ao lado, tristeza era o mínimo em relação à cena deprimente em que Jenenfferfoi encontrada. Junto ao corpo dela, já quase sem vida, foram encontrados uma bíblia e um cachimbo para consumo de drogas.
A solidão pós-morte virou solidariedade a uma mulher que, aparentemente, morreu também pela sua fragilidade. A estudante do quinto semestre Direito, Juliana Rodrigues, de 27 anos, se permitiu pensar no lugar da vítima. “Me choca. Como isso pode acontecer numa rua que tem tantas casas e ninguém viu?” questiona. E acrescenta. “Isso me choca principalmente pela condição da mulher. A mulher frágil, indefesa, sensível. Por mais que ela fosse uma usuária de drogas, ela era uma mulher que ali parecia indefesa”.
Sem querer sem imprudente, não há como provar ou julgar que as pessoas próximas faltaram por descaso. Talvez a falta de condições, inclusive, emocionais tenha feito todo mundo desejar distância do assunto que ainda causa dor. Quem sabe o vazio do plenário fosse resultado da falta de “conhecimento”, acredita a estudante. “As vezes as pessoas nem sabem direito como lutar por justiça. Apesar de muita informação acessível no mundo, a desigualdade social é gigantesca”.
O vazio também surpreendeu a psicóloga Emmanuele Pereira, de 24 anos. “Faz a gente pensar com mais sensibilidade o que acontece do portão para fora da nossa casa. Às vezes, no conforto, a gente pensa que está tudo caminhando bem. Mas lá fora, ainda tem muita coisa para ser mudada”.
O fato é que morte nada tem a ver com merecimento. Ninguém merece morrer porque o outro escolhe. Nem merece solidão e as costas do mundo “só por ser uma drogada”. Na visão de quem assiste o julgamento e se sensibiliza com o vazio, a “justiça importa” e “em todos os casos”. Há quem diga que é um “CPF a menos depois de tanto furto para consumir drogas”, mas nada justifica, inclusive, se serve de consolo, Jenenffer não tinha nenhuma passagem pela polícia…
Ontem, Douglas Aparecido Cardoso, conhecido como “Baleado”, foi condenado a 16 anos e seis meses de prisão pelo assassinato de Jenenffer de Almeida, de 25 anos. O réu foi a júri nesta quarta-feira (25) e negou participação no crime durante depoimento.
Jenenffer foi encontrada com sinais de espancamento, cortes pelo corpo e rosto na madrugada do dia 26 de março do ano passado, no Bairro Nova Campo Grande. Ela foi socorrida com vida, mas morreu dentro da ambulância. As investigações da polícia apontaram Douglas e Denis Henrique do Nascimento, o “Ripiado”, como autores do crime.
Os dois assassinos moravam juntos, no bairro Nova Campo Grande, onde o crime ocorreu em 26 de março de 2018.
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