Política

Projeto que limita juros do cartão de crédito durante pandemia deve ser engavetado

Circuito MS

14:04 10/08/2020

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinalizou que não deve colocar para votação o projeto aprovado pelos senadores que limita em 30% ao ano os juros cobrados no cheque especial e no cartão de crédito em operações contratadas até o fim de 2020. 

Conforme especialistas ouvidos, a proposta seria positiva para os clientes, mas o sistema bancário pode embutir outras formas de compensação.

A mesma justificativa é usada por Maia. Segundo o parlamentar, uma intervenção do Congresso nesse sentido pode provocar efeito colateral em outras linhas, encarecendo e limitando o crédito para os consumidores.

Na visão do presidente da Câmara, os bancos precisam encontrar de maneira rápida “soluções” para produtos tão “nocivos” aos clientes.

“Os bancos têm que criar novos produtos no lugar do cartão de crédito e do cheque especial. Não dá mais para a sociedade pagar essas taxas de juros. Mas as soluções não são de intervenção no mercado financeiro. As soluções têm que vir dos próprios bancos, que precisam entender que vão abrir mão de uma receita. Da mesma forma que a sociedade não aceita mais pagar impostos, ela não aceita mais pagar os juros do cheque especial e do cartão de crédito”, disse Maia ao Estadão, ressaltando que o projeto é daqueles que “tem cara boa, mas gera muitos problemas”.

Com a limitação dos juros em 30% ao ano, uma dívida de R$ 1.000, por exemplo, atingiria um montante de R$ 1.300 no decorrer de um ano. Caso sobre esta dívida incidam os juros atuais do cartão de crédito rotativo (320% ao ano), em um ano ela passaria de R$ 1.000 para R$ 4.200 aproximadamente.

PROJETO

O projeto de lei foi aprovado na quinta-feira (6) pelos senadores por 56 votos favoráveis, 14 contrários e uma abstenção. No caso das fintechs (empresas de tecnologia do setor financeiro), o limite de juros proposto é de 35% ao ano.

Os senadores ainda aprovaram uma emenda abrindo espaço para o tabelamento permanente dos juros em operações de crédito com cartões após o período de calamidade pública, no próximo ano.

A medida prevê que o Conselho Monetário Nacional (CMN) regule o limite de juros no cartão, assim como fez com o cheque especial, após o período de calamidade pública. O CMN é formado por dois representantes do Ministério da Economia (o ministro e o secretário especial de Fazenda) e o presidente do Banco Central.

A proposta original era de que até julho de 2021 os bancos cobrariam até 20% ao ano em operações de crédito com cartão e no cheque especial. Posteriormente, para a proposta ter mais apoio entre os parlamentares, o teto proposto foi ampliado para 30% ao ano no caso dos bancos e 35% ao ano entre as fintechs.

Ao justificar a proposta, Alvaro Dias defendeu que, durante a crise, o cartão de crédito e o cheque especial seriam utilizados por profissionais liberais e empregados em geral para pagar as contas.

Sem renda, eles entrariam no rotativo do cartão, com juros que “superam 300% ao ano, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central, com instituições financeiras cobrando até mais de 600%”.

ESPECIALISTAS

Analistas de mercado ouvidos pelo Correio do Estado já haviam alertado sobre a possibilidade de os bancos sobretaxarem os consumidores ou ainda negarem o acesso ao crédito.

O gerente de desenvolvimento de negócios do Sicredi, Miguel Greco, explicou que pode ser gerado um entrave para o sistema financeiro como um todo.

“Quando você começa a taxar ou estipular máximos de remuneração a essas linhas, você pode coibir as instituições financeiras a tomarem risco. Principalmente em operações mais arriscadas, como cheque especial e rotativo do cartão, elas têm mais risco de inadimplemento para as instituições, então quando se estipula o máximo de ganho esse banco pode ficar mais resistente a conceder esse crédito”, explicou.

Outro que apontou a possibilidade foi o economista Sérgio Bastos. Ele informou que mesmo sendo uma medida benéfica ao cliente, os agentes financeiros encontrarão uma maneira de compensar as perdas.

“É uma medida contra mercado, porque geralmente um sistema financeiro sadio, bem estruturado, ele trabalha, entre outras coisas, com a liberdade de fixação de taxas de juros. Quando há essa limitação, ela pode trazer uma vantagem para o usuário do cheque especial e do rotativo do cartão de crédito. No entanto, aquele que empresta, no caso o banco, vai buscar outras formas de compensar essa perda. Então eu creio que como uma medida efetiva de redução geral de juros, não vai ter o efeito desejado e também é uma situação negativa de intromissão em uma matéria que é o próprio mercado que define”, disse.

Desde janeiro deste ano, o limite para a taxa de juros do cheque especial pessoa física fixado pelo Banco Central é de 8% ao mês, o equivalente a cerca de 150% ao ano.

Os juros são cobrados quando o cliente acessa seu limite de crédito, pré-aprovado pelas instituições financeiras.

Já o rotativo do cartão de crédito pode ser acionado por quem não pode pagar o valor total da sua fatura na data do vencimento, mas não quer ficar inadimplente.

Para usar o crédito rotativo, o consumidor paga qualquer valor entre o mínimo e total da fatura. O restante é automaticamente financiado e lançado no mês seguinte, com juros.

As duas linhas estão entre as mais caras, quando comparadas com os juros cobrados em outros tipos de empréstimos, como o pessoal ou consignado.

Por isso, são classificadas como “emergenciais” e, segundo analistas, só devem ser usadas se for realmente necessário, por um período curto de tempo.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) diz concordar com a necessidade de reduzir o custo do crédito. “Mas entende que o tabelamento, ao invés de promover alívio financeiro, pode agravar a crise por distorcer a formação de preços, criar gargalos e gerar insegurança jurídica”, diz o presidente da instituição, Isaac Sidney, em nota.

Via Correio do Estado

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