Usar a igreja para campanha pode ser abuso de poder econômico, apontam juristas
11:54 17/08/2020
Está em discussão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a possibilidade de a investigação sobre abuso de poder por parte de autoridades religiosas ser realizada no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) a partir das eleições 2020. O Correio do Estado procurou parlamentares e advogados para debater o assunto.
A discussão ocorre na análise do processo que pede a cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos, eleita em 2016 no município de Luziânia (GO) e acusada de praticar abuso de poder religioso durante a campanha.
Conforme divulgado pelo TSE, a acusação do Ministério Público Eleitoral (MPE) aponta que a então candidata teria se reunido na catedral da Assembleia de Deus localizada na cidade para pedir votos aos membros da congregação. A reunião com pastores de outras filiais foi convocada pelo pai da candidata, Sebastião Tavares, pastor e dirigente da igreja no município. “Tanto o pai quanto a própria candidata foram condenados pelo juiz eleitoral, porém, o TRE absolveu o pai e manteve a condenação da vereadora. Contra ela, ficou apontado como ilícito o discurso com duração de cerca de dois minutos e 50 segundos para aproximadamente 30 a 40 jovens do sexo masculino na instituição religiosa. De acordo com o MPE, a candidata utilizou de sua condição de autoridade religiosa para influenciar a escolha dos eleitores e intervir no direito constitucional da liberdade de voto”, diz a nota do Tribunal.
Cautela durante eleições
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso do Sul (OAB-MS), Mansour Elias Karmouche, destacou que a atividade religiosa não pode ser suspensa durante a eleição, mas é preciso cautela.
“Se usar o cargo religioso para angariar vantagem em uma eleição, isso é completamente ilegal, pois isso pode caracterizar, em tese, abuso de poder religioso. Convocar os fiéis para essa finalidade pode, em tese, caracterizar esse abuso. Esse abuso do poder religioso é igual ao abuso de poder econômico e político”, ressaltou o advogado.
Ex-juiz eleitoral, o advogado Elton Nasser destacou que é necessário equilíbrio na disputa pelos cargos no Executivo e no Legislativo. “Esse equilíbrio deve ser observado na propaganda eleitoral. A igreja não deve, na minha opinião, externar uma posição que venha desequilibrar o pleito eleitoral. O fato de algum líder religioso ter opinião não quer significar a posição da igreja, de forma a estabelecer pedidos de votos dentro de um ambiente religioso”.
O jurista afirmou que é necessário o debate dentro dos templos religioso, mas sem que tenha uma imposição para tal candidato. “Uma coisa que é possível é o debate, porque permite conhecer. O que não pode é a igreja utilizar sua estrutura. O cidadão ter participação na política é salutar, necessário: precisa ter a noção de quem está sendo o futuro mandatário que vai agir em seu nome. É direito do cidadão [conhecer] e [é direito] do candidato apresentar suas propostas. Mas usar a estrutura da igreja para pedir voto é abuso de poder econômico. Se pegar uma pessoa que vai na igreja e usa a estrutura para fazer campanha, é abuso. Pode levar à cassação do mandato e inelegibilidade”.
O deputado e advogado Fábio Trad (PSD) destacou que precisa ser mantida a liberdade religiosa, mas sem exceder limites previstos na legislação eleitoral.
“Não concordo com a restrição de reuniões e exercícios de atividade religiosa no período eleitoral. Se, por uma eventualidade, houver alguma transgressão de natureza eleitoral com o uso do ministério religioso, penso que a legislação eleitoral deva ser aplicada, jamais restringindo a atividade religiosa”.
Datas
As eleições municipais estão marcadas para os dias 15 e 29 de novembro, primeiro e segundo turno, respectivamente. A partir do dia 31 deste mês, já está autorizada a realização de convenção partidária, que poderá ser feita por transmissão via internet em razão da pandemia de Covid-19.
Via Correio do Estado
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