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Fashionista lança livro sobre cultura afro com expressões atuais

Circuito MS

17:12 27/12/2021

Fashionista Carol Lee Lemos Dutra lança almanaque sobre afrofuturismo em que aborda expressões contemporâneas da cultura afro

O afrofuturismo vem ganhando protagonismo no contexto dos movimentos globais de afirmação e luta por igualdade racial, estendendo a sua presença – e das causas que representa – a ambientes da sociedade e da mídia que normalmente não se ocupam da pauta militante.

O termo reúne um conjunto de informações históricas, científicas e filosóficas que alia ancestralidade, gosto pela tecnologia e apuro estético.

Em Mato Grosso do Sul, o afrofuturismo também já possui ao menos uma representante oficial, a fashionista Carol Lee Lemos Dutra, de 45 anos, que atua principalmente na ponte Brasília-Campo Grande-São Paulo e lançou, este ano, o livro “Moda, Estética e Comportamento do Afrofuturo – Sociedade Afro-Brasileira Além da Ótica Eurocentrista” (Editora Life).

Em formato de almanaque, a publicação reúne a pesquisa que a autora desenvolveu em seus estudos de moda e desdobramentos relacionados ao seu ofício, sensibilidade e experiência pessoal.

Correio do Estado – poderia resumir a sua trajetória até este livro?

Carol Lee Lemos Dutra – Sou formada em Gestão e Design de Moda pela Universidade Euro-Americana de Brasília, onde atuei como designer.

Ao me mudar para MS, atuei em gerenciamento de projetos, como colunista de moda de uma plataforma de assuntos afrocentrados e como designer de moda do Imnegra [Instituto da Mulher Negra do Pantanal], instituição que atua na qualificação de mulheres vítimas de violência doméstica e/ou vulnerabilidade social e racial.

Durante o isolamento social em consequência da pandemia, iniciei o desenvolvimento de cursos on-line sempre direcionados à moda afrocentrada.

Em paralelo, atuo como voluntária na startup Vamo como redatora das redes sociais para ações de inclusão na indústria da moda.

O que pretendia quando decidiu escrevê-lo?

O livro faz parte de um projeto maior: levar conhecimento literário de moda afrocentrada para que seja introduzido na grade curricular dos cursos e das universidades de moda brasileiros.

E agora, depois de publicado, o que pensa sobre ele?

Almejo que sirva de material didático e que seja utilizado, além de escrever outras edições, incluindo a cultura de povos indígenas como fonte de inspiração de moda.

Não há necessidade de se inspirar na cultura do estrangeiro para o processo criativo da moda brasileira se há tanto que explorar dentro de casa.

Para quem você o escreveu?

Escrevi a todos curiosos, criativos, designers e estilistas de moda que desejam ter um olhar para a produção de moda além da ótica eurocentrista.

O que, afinal, é o afrofuturismo?

Respondendo sob a ótica de moda afrofuturista, é o que almejo de estética do afrofuturo de forma utópica e imaginária, pautada por ficção especulativa e sustentada pelos pilares de fantasia, ficção científica e o sobrenatural inspirados na ancestralidade negra.

Quando percebeu que não estava mais falando somente de/sobre moda?

Durante o processo de imersão e pesquisas do comportamento da sociedade afrobrasileira.

Escrever sobre moda é traduzir em peças de uma coleção o comportamento e as transformações de uma determinada sociedade em determinada época.

Vivemos na atualidade um momento importante de transformação de pensamentos da sociedade afrodescendente.

O formato e a abordagem têm, de certa forma, uma pegada de almanaque. Como chegou a essa estruturação?

Escrevo como atuo na plataforma digital. Linguagem objetiva, didática, ilustrada e de fácil entendimento ao público conectado, porém interessado em se aprofundar no tema.

Como foi o processo de pesquisa, escrita e edição?

Um mergulho profundo em livros de História do Brasil e do continente africano. Além de visitas a diversos museus que tratam do tema com mentoria de estudiosos e escritores de moda e de conceitos como afropresentismo e afrofuturismo.

Qual a mais remota manifestação de racismo de que se lembra?

Diariamente, os olhares de desconfiança dos seguranças que eu e a maioria dos negros brasileiros recebe ao entrar em um estabelecimento comercial.

Imediatamente, somos vistos como suspeitos e perseguidos em lojas e supermercados.

E a mais dolorosa ou revoltante?

A morte de um cidadão negro no estacionamento de um supermercado por motivações racistas.

O que pensa, de modo geral, sobre o discurso das militâncias raciais no Brasil?  

Todos os discursos com objetivo de estancar o racismo estrutural no Brasil são válidos e urgentes, porém, ainda há falta de ações mais assertivas em prol da sociedade afrodescendente.

O discurso teórico se constitui por emoções motivadas por gatilhos históricos que desvirtuam os propósitos da militância, na prática, funcionando como bomba de fumaça.

Por outro lado, o discurso assume papel de extrema importância ao dar relevância e destaque a temas afrocentrados não discutidos em instâncias que poderiam melhorar as condições do indivíduo racializado em um Brasil ainda muito racista.

O que o afrofuturismo, porventura, traz de novidade a esses discursos?

Traz um mote, mesmo que utópico e imaginário, de como afrodescendentes almejam alcançar o afrofuturo, cujo protagonismo negro assume todos os setores da sociedade.

Qual seria o papel da moda nessa dinâmica e nessa expressão?

A moda reflete o comportamento da sociedade, e não o contrário.

Uma vez que negros se proponham a voltar seus olhares à sua própria história, ressignificar o presente e projetar o futuro inspirado nos saberes e na estética de seus ancestrais, a moda acompanha esta movimentação replicando a estética proposta por essas transformações.

Em alguns momentos, o afrofuturismo não corre o risco de resvalar no culto de personalidade, especialmente entre as camadas mais jovens ou desinformadas?

Acredito que não afetará o comportamento, a personalidade ou os ideais do indivíduo que não se aprofundar no tema.

O que geralmente ocorre aos desinformados é a exploração e o uso da estética do movimento, até mesmo como moda efêmera, portanto, passageira.

O que pensa da política pública de Mato Grosso do Sul para as questões relacionadas à pessoa negra ou, talvez mais amplamente, relacionadas ao ideário afrofuturista?

Como membro do conselho da Subsecretaria de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial e Cidadania pelo Imnegra, afirmo que muito tem sido feito sobre o tema e ratifico minha afirmação sobre ações em prol do ideário afrofuturista.

Ações afirmativas bem elaboradas são um dos vários caminhos a este cenário. Entendo que MS está caminhando positivamente neste propósito.

Temos representantes da cultura e da expressão afrofuturista em MS?

Atuando em São Paulo, minhas pesquisas em busca de profissionais afrofuturistas se focaram nos representantes daquele estado, porém, tenho observado alguns criativos da arte em MS com trabalhos que poderiam ser classificados como afrofuturistas.

Em tempo: Campo Grande é a cidade que minha mãe adotou como sendo dela e reside há mais de 30 anos. É prática comum na minha rotina estar na ponte aérea São Paulo-Campo Grande.

Uma pessoa não negra pode ser ou se tornar afrofuturista

Sim. Uma vez que um indivíduo não negro vislumbre de forma especulativa um futuro de protagonismo negro, inspirado nos saberes da ancestralidade negra, e crie ações ou arte que torne este imaginário possível no cenário do afrofuturo, mesmo que a princípio de forma utópica, isso o torna um indivíduo de ideais afrofuturistas.

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