Campo Grande

Espetáculo que estreia sábado aborda a violência contra mulher

Circuito MS

18:52 24/03/2022

Espetáculo que aborda violência contra a mulher marca os 35 anos do grupo liderado por Chico Neller, com estreia em Campo Grande no sábado

Por definição do dicionário, “ginga” pode significar tanto um tipo específico de remo quanto um trejeito ou meneio de corpo. Os fãs da popstar Iza fatalmente lembrarão do sucesso gravado pela cantora, com participação de Rincon Sapiência, que leva esse nome e cuja letra começa assim: “Sagacidade pra viver/Lutar, cair, crescer/Sem arriar ou se render/Tem que defender”.

Em Campo Grande, desde a segunda metade dos anos 1980, o termo foi ganhando um sentido bem próprio, ainda associado à capacidade de mover o corpo com beleza e invenção, mas fortemente identificado, em específico, com a expressão de um grupo que escolheu a palavra para ser a sua alcunha.

Sim, pelo menos para os admiradores da dança contemporânea, ginga, além de um termo técnico, evoca automaticamente o grupo criado há 35 anos pelo dançarino e coreógrafo Chico Neller.

Para marcar a efeméride, o Grupo Ginga estreia um novo espetáculo, no Teatro Glauce Rocha, no campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande, neste sábado, às 20h.

“Silêncio Branco” parte de uma série de canções populares brasileiras, que datam desde os anos 1920, para abordar o preconceito e outras formas de violência contra a mulher.

Depois de mais uma apresentação na Capital, no domingo, o Ginga leva a nova montagem para Dourados – 9/4, no Sucata Cultural – e para Corumbá – 29/4, no Centro de Convenções do Pantanal.

Todas as apresentações contam com entrada franca. O projeto foi contemplado com recursos do Fundo de Investimentos Culturais do governo estadual (FIC-MS), em 2019, e teve a estreia sucessivamente adiada por causa da pandemia.

MOTE CERTO

O tempo de atraso, infelizmente, apenas reforçou a pertinência – e a urgência! – do tema escolhido. Durante o processo de pesquisa e de criação, que, antes de culminar na versão final do espetáculo, rendeu a mostra “Mote”, no Centro Cultural José Octávio Guizzo, Neller e sua trupe viram as estatísticas de feminicídio aumentarem mais de 33% no Estado durante o período de isolamento.

“A comunidade não enfrenta esse tema com a gravidade e a força necessárias. Parece que estamos todos inertes, congelados, apenas assistindo os casos acontecerem, e foi isso que nos motivou a fazer alguma coisa. Estamos colocando a dança a serviço dessa discussão, colocando nossa arte para que, com outra linguagem, contribua para arrancar a venda dos olhos da sociedade”, afirma Chico Neller.

O diretor conta que o processo de coleta de dados e pesquisa foi extremamente difícil, e um dos maiores enfrentamentos de sua carreira profissional. A ideia de ouvir as vítimas para entender os casos além dos índices foi um enorme obstáculo, pois elas se recusavam.

“Precisávamos nos aproximar dos sentimentos, estar ao lado delas para conseguir melhor representar essas emoções. Além disso, enfrentei a acusação de que, por ser homem, eu não tinha ‘o lugar de fala’ para montar o espetáculo”, conta o diretor do Grupo Ginga.

“Entendo que as mulheres precisam ser mais ouvidas, mas isso [a violência] só vai reduzir quando todos estivermos envolvidos”, argumenta Neller.

DJ NELLER

“O [espetáculo] ‘Mote’ foi elaborado coreograficamente, esteticamente e sonoramente pelos intérpretes que lá estavam [cinco mulheres, três homens e uma pessoa não binária], tendo o Chico Neller como um DJ que organizou as falas e dirigiu de maneira a enlaçar todos os solos e duos de uma forma coerente com o tema”, explica a dançarina Maria Fernanda Figueiró, de 21 anos, que também estuda Psicologia na UFMS e está no grupo desde 2017.

“Já ‘Silêncio Branco’ é um espetáculo de comemoração dos 35 anos do Ginga, um projeto que estamos trabalhando e pesquisando há mais de um ano. Não são todos os intérpretes do ‘Mote’ que estarão também no ‘Silêncio’, que, por sua vez, é de completa autoria coreográfica e de direção do Chico. Claro que nós, como intérpretes, construímos e colaboramos com a coreografia, mas a ideia e a concepção vieram dele”, conta a dançarina.

A artista diz que foi um trabalho conjunto no âmbito da pesquisa, citando Simone de Beauvoir, Bell Hooks e Gerda Lerner, “entre outras grandes feministas e teóricas fundamentais”, como exemplos da bibliografia acionada.

Além de Maria Fernanda, outros seis integrantes do grupo estarão no palco: Ana Carolina Brindarolli, Diogenes Antonio Pivatto, Frantielly Icassatt, Patrícia Signoretti, Brendon Feitosa e Tanara Maciel Aguiar.

“NÃO SOU A MESMA”

“Participar de todo o processo do espetáculo foi um presente e um desafio pessoal e profissional enquanto bailarina e mulher no cenário de hoje. Por ser um tema que vivemos diariamente, estudar a fundo sobre mexe bastante e nos abre os olhos para algo que é muito maior do que imaginamos. Trazer todas as questões para a cena por meio do corpo foi e está sendo um estudo diário”, diz Tanara, formada em Educação Física.

“Já não sou a mesma de quando começamos esse trabalho, nosso crescimento foi enorme por todas as informações com que tivemos contato”, revela Tanara, de 30 anos, que acompanha o Ginga, como fã, desde menina, e entra em cena pela primeira vez com o grupo em “Silêncio Branco”.

NEGÓCIO DE HOMEM

O processo de pesquisa para a montagem contou ainda com uma rede de colaboradores e levou todo o elenco do Ginga a conversar com autoridades ligadas aos direitos e à defesa das mulheres, em reuniões e encontros na Casa da Mulher Brasileira. Um dos colaboradores é Gilbas Pisa, ex-bailarino do grupo.

“Meu trabalho foi auxiliar para que todos da companhia compreendessem que o patriarcado é uma construção histórica, formada por homens, mas com apoio ativo também das mulheres. A sexualidade da mulher e a sua capacidade de trabalho e reprodutiva foram vistas, desde sempre, como recursos que poderiam ser adquiridos e negociados pelo homem”, argumenta Pisa, que, além de coreógrafo, é mestre em Performance e Cultura pela Universidade de Londres e pesquisador de intersecções do feminismo.

Grupo mineiro também se apresenta na Capital

Sábado (Marco) e domingo (Morada do Baís), às 19h, o Grupo Contemporâneo de Dança Livre (MG) apresenta, na Capital, o espetáculo multimídia “Cartografias”.

Na proposta, que destaca a poesia da mulher indígena latino-americana, os performers do grupo mineiro interagem presencialmente, ao vivo e ao ar livre, com imagens projetadas de 15 artistas da Costa Rica, da Colômbia, do México e do Peru, além de outros convidados brasileiros. A trilha sonora original é da artista argentina Sofi Álvarez. Entrada gratuita.

Via Correio do Estado MS

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