Polícia

Cidades dos EUA criam equipes para atender a ocorrências leves sem chamar a polícia

Circuito MS

15:49 18/06/2022

Uma pessoa se tranca em um banheiro de uma loja e se recusa a sair. Ela não está agindo de modo violento. Quem você vai chamar para ajudar? A polícia? Os bombeiros? Médicos? Ou nenhum deles?

Algumas cidades dos EUA perceberam que nenhuma dessas opções é a ideal para lidar com chamados que envolvem crises provocadas por saúde mental, abuso de drogas, presença de moradores de rua ou violência doméstica. Assim, Atlanta, Nova York, Portland e São Francisco, entre outras, fazem testes para criar um novo modelo de departamento de polícia, capaz de lidar melhor com situações do tipo.

Um dos exemplos mais avançados vem de Albuquerque, cidade de 560 mil habitantes no Novo México. Ali foi criada a unidade ACS (Segurança Comunitária de Albuquerque). A iniciativa começou em setembro de 2021, em pequena escala, e vem sendo ampliada. Em abril, foram atendidos mais de 1.600 chamados.

A ACS tem atualmente 38 integrantes, com especializações e experiências variadas. Uma das equipes se dedica a situações que envolvem saúde mental. Outra é dedicada a atender situações nas ruas, como ajudar pessoas sem-teto. Eles usam camiseta cinza, com o logo do programa, e roupas civis.

“Uma coisa que me surpreendeu foi ver quantos chamados para o 911 [telefone de emergência nos EUA] não precisam da presença de um policial com distintivo”, disse à Folha D’Albert Hall, vice-diretor do ACS.

Ele conta que um dos desafios foi definir quais situações ficariam com qual departamento, em reuniões de alinhamento com polícia e bombeiros que continuam sendo feitas. “Estamos trabalhando para ter um relacionamento melhor com a polícia, para que ela saiba quando nos chamar, e nós, quando chamá-la.”

A mudança libera agentes de segurança para outras tarefas, como investigações e combate ao crime, em um momento em que faltam policiais em muitos departamentos. Enquanto os guardas são treinados para neutralizar ameaças, a ACS faz abordagens para entender as necessidades das pessoas com problemas.

“Tivemos um chamado de um hospital. Uma mulher estava em um consultório, realmente descontrolada. Fomos capazes de ir lá, acalmá-la, conversar e orientá-la aos serviços dos quais precisava”, afirma Hall.

Outro tipo comum de chamado é o de pessoas que querem checar se um conhecido está bem. “Há ligações como ‘não tenho visto meu colega de trabalho há algum tempo, e ele estava falando sobre talvez cometer suicídio’. Ou ‘tenho amigos que estão tendo problema com vícios’. Podemos tentar ajudar.”

As interações longas também são importantes para ajudar pessoas em situação de rua. Numa ocorrência em abril, agentes foram conversar com duas pessoas que montaram uma tenda em uma rua da cidade.

Além de dar água, comida e kits de higiene, houve um papo para entender as necessidades deles. Ambos disseram que haviam parado de usar metanfetaminas e maconha, mas não conseguiam controlar o consumo de álcool. A ACS indicou programas de tratamento, e os sem-teto se comprometeram a aderir.

O movimento de criação dessas unidades ganhou força após a morte de George Floyd, sufocado por um policial em Minneapolis, em maio de 2020. Floyd tinha problemas de saúde mental e foi morto após ser acusado de fazer uma compra com uma nota falsa. Protestos nos meses seguintes pediram o fim da violência policial e mudanças na forma de atuação das forças de segurança.

Apesar dos atos, alterações de grande porte no policiamento dos EUA não ocorreram, e o número de pessoas mortas em confrontos com policiais segue na faixa de mil por ano. Um projeto de reforma policial, defendido pela Casa Branca, está parado no Senado. A proposta, chamada de Lei George Floyd, reforça as punições a agentes em casos de má conduta e limita o uso da força, entre outras medidas.

Uma das demandas mais estridentes foi a “defund the police”, um pedido para tirar recursos das polícias, defendido por parte da ala progressista do Partido Democrata, mas sepultado por lideranças da legenda. O presidente Joe Biden e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, defendem o contrário: mais dinheiro para o combate ao crime. Ao mesmo tempo, também apoiam ações de policiamento comunitário.

A criação de unidades de atendimento do tipo é elogiada por especialistas em saúde pública e combate às drogas, por ser um gesto concreto para uma mudança que defendem: deixar de tratar o uso de drogas e problemas mentais como uma questão criminal e passar a abordá-los como um problema de saúde.

Para Daliah Heller, pesquisadora e vice-presidente da ONG Vital Strategies, ter policiais atendendo ocorrências de saúde mental reforça a ideia de que as pessoas com problemas são uma ameaça.

“Quando alguém sente que está sendo visto como uma pessoa perigosa, ela se sente ameaçada. E nossa resposta, como seres humanos, é nos defendermos quando somos tratados assim ou quando tentam impor controles sobre nós”, afirma. “A solução realmente é tirar da polícia a responsabilidade de lidar com essas questões sociais e investir em respostas comunitárias que envolvam a saúde”, avalia.

 Via Folha de São Paulo

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