A criação de um programa federal de bolsas no ensino médio é prioridade do futuro governo e foi um compromisso assumido com a ex-candidata ao Palácio do Planalto Simone Tebet (MDB). Antes de anunciar o apoio a Lula, ela pôs como condição a incorporação dessa promessa ao programa de governo petista.
Na campanha, ela prometeu um pagamento de R$ 5.000 ao fim da etapa. A senadora falava em evitar que jovens se enquadrassem na categoria “nem-nem” (aqueles que não estudam nem trabalham).
O ensino médio é considerado um dos mais preocupantes gargalos da educação brasileira. São 686,7 mil jovens de 15 a 17 anos fora da escola, segundo dados de 2021 divulgados pelo Inep (Instituto nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Essa é a faixa etária esperada para a etapa.
A maior parte, 488,7 mil, são jovens de 17 anos. Estudos mostram que a necessidade de trabalhar é uma das principais causas para o abandono escolar entre jovens, e isso cresce com o avanço da idade -por causa de repetências, 69 de cada 100 estudantes concluem o ensino médio apenas com 19 anos.
Não estudam nem trabalham um volume de 481,8 mil jovens de 15 a 17 anos. Representam 5,6% da população dessa faixa etária.
Ainda não há definições de valores da bolsa. Mas a equipe de educação na transição, liderada pelo ex-ministro Henrique Paim, tem se debruçado sobre uma iniciativa do governo alagoano que conseguiu reverter a evasão de cerca de 30 mil alunos durante a pandemia –em uma rede que conta com 125 mil matrículas.
O projeto de Alagoas, chamado Cartão Escola 10 e iniciado em 2021, prevê aos jovens que retornam à escola um pagamento de R$ 500, contanto que estejam com o ciclo vacinal completo, o que é visto no governo com uma importante medida. Além disso, há uma bolsa mensal de R$ 100 caso haja frequência mínima de 90% nas aulas e premiação de R$ 2.000 aos concluintes.
A política de Alagoas chega a todos os alunos da etapa -inclusive em EJA (Educação de Jovens e Adultos)- e esse é um dos pontos de atenção da transição. Por um lado, pagar com recursos federais bolsas a 6,6 milhões de alunos do ensino médio tornaria a iniciativa inviável. Por outro, a universalidade permite que se use os recursos vinculados à educação, como o Fundeb (mecanismo de financiamento da educação básica).
Iniciativas similares de bolsas, como em São Paulo e Rio Grande do Sul, são direcionadas apenas a alunos vulneráveis. Essa disposição categoriza a iniciativa como assistência social, e gastos como esse não podem ser atribuídos ao cálculo da exigência mínima de aporte em educação –regra prevista na Constituição (25% das receitas de estados e municípios, 18% da União).
A ideia do novo programa, em discussão, passa pela consolidação de um regime de colaboração com os estados para que custos possam ser compartilhados. As redes estaduais concentram 84,5% das matrículas de ensino médio.
Para atingir os 125 mil alunos da etapa, Alagoas tem custo de R$ 10 milhões por mês. “O programa representa o maior investimento da história da rede”, afirma a Secretaria de Educação do estado, em nota.
A equipe de Lula pretende aumentar em R$ 12 bilhões o orçamento do MEC (Ministério da Educação) de 2023 a partir do espaço a ser aberto com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, conforme a Folha revelou.
O gerente de Pesquisa e Inovação do Instituto Unibanco, João Marcelo Borges, participou da concepção, do monitoramento e da avaliação da estratégia em Alagoas. Ele ressalta a decisão do estado pelo recorte universal, o foco no convencimento para retorno de quem está fora da escola, com exigência de vacinação, e também a vinculação de outras estratégias.
“Há previsão de professores mentores, treinados para serem mentores de pequenos grupos de jovens nas temáticas diversas e que vão criando a perspectiva do projeto de vida, além de um jovem líder”, diz Borges. “Se o programa federal for universal, pode ter negociação para chegar a um arranjo em que a União entra com uma parte e os estados, com outra. Porque bancar sozinho é inviável.”
Concluir a educação básica ainda é realidade distante para muitos jovens brasileiros, mas o problema atinge com maior intensidade a população negra e pobre.
Quase um terço (30,6%) dos jovens de 19 anos não havia concluído o ensino médio em 2020. Entre negros, essa proporção é de quase 4 em cada 10 jovens –a relação cai para 2 de cada 10 entre brancos.
O acesso à educação tem impactos que superam a esfera acadêmica. A remuneração ao longo da vida de uma pessoa com ensino médio pode ser, por exemplo, entre 17% e 48% maior que a daquela com o mesmo perfil, mas escolarizada até o ensino fundamental. Outros índices de qualidade de vida, como saúde e planejamento familiar, também são desfavoráveis, segundo estudo recente do professor Ricardo Paes de Barros.
Para cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma diminuição de 2% na taxa de assassinatos nos municípios, indica pesquisa de 2016 do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Comente esta notícia
compartilhar