Saúde

Atendimentos psicológicos aumentam 45% na Capital

Circuito MS

9:22 06/03/2024

Pacientes ouvidos pelo Correio do Estado relatam que crises são desencadeadas por problemas na vida profissional; demanda aumentou com a pandemia

A atenção com a saúde mental tem sido um tema debatido constantemente nos últimos anos. Na Capital, os efeitos de problemas relacionados às questões psicológicas do indivíduo refletem o aumento de atendimentos realizados pela Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande (Sesau), por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

Só no ano passado, a coordenadora da Rede de Atenção Psicossocial da Sesau, médica psiquiatra Gislayne Budib, relata que foram 151.298 procedimentos realizados no total, entre os quais abordagens cognitivas, acolhimentos noturnos e atendimentos em oficinas terapêuticas, individualizados e em grupo, além de atenção a situações de crise, ações de reabilitação, etc.

Com relação a 2021 e 2022, a Sesau informa que foram realizados respectivamente 139.435 e 144.737 procedimentos.

Os atendimentos nos Caps e no Ambulatório de Saúde Mental de Campo Grande somaram 31.341 no ano passado, um aumento de 45% em relação à 2022, quando foram 21.668 consultas. Em 2021, ano da pandemia de Covid-19, foram 26.506 atendimentos.

De acordo com Gislayne, esse aumento na demanda se deve a uma série de fatores, como o maior número de médicos, a ampliação do acesso aos Caps e ao Ambulatório de Saúde Mental, a abertura de mais um Caps e a maior procura por atendimentos pela população.

“Felizmente, o preconceito é muito menor do que antigamente. Então, a psicofobia hoje, embora ainda exista, é menor do que outrora, e assim as pessoas procuram muito mais o acesso”, enfatiza a coordenadora.

“Com a pandemia de Covid-19, triplicaram os casos de ansiedade, depressão, transtorno de adaptação, principalmente para as pessoas que foram vítimas ou que perderam familiares na pandemia. A gente tem, além disso, o melhor acesso em relação à saúde mental. Então, quando você amplia e aumenta as portas de entrada, você também qualifica esse atendimento e melhora a sua qualidade”, exemplifica a médica psiquiatra.

Na rede pública, a porta de entrada a qual Gislayne cita é na atenção primária. O paciente deve buscar uma unidade de saúde e passar pelo clínico geral. O profissional vai avaliar qual a demanda do indivíduo e o grau do transtorno. 

Em casos leves, Gislayne aponta que o paciente é tratado na atenção primária pelo clínico geral e com acompanhamento de uma equipe multifatorial, que é composta por especialistas, entre os quais psicólogos.

Já os casos moderados, segundo a coordenadora, são direcionados para o Ambulatório de Saúde Mental, que fica no Centro de Especialidades Médicas (CEM) do município. Apenas os casos mais graves são direcionados para os Caps.

“Os Caps são para transtorno mental grave e persistente, como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, depressão grave, autismo. Já os casos leves, como transtornos de ansiedade, depressão leve, transtorno de adaptação, sofrimento por conta de luto ou separação conjugal, a atenção primária à saúde faz o primeiro atendimento e a condução”, esclarece a médica psiquiatra.

PACIENTES

As demandas de saúde mental são particulares de cada indivíduo, mas podem ter origens em comum.

A equipe do Correio do Estado conversou com três pessoas que fazem, fizeram ou tentaram tratamento psicológico em Campo Grande por meio dos Caps. A fim de preservar a identidade dessas fontes, a reportagem optou por citar suas profissões, e não seus respectivos nomes.

Um dos pacientes, um publicitário, passou duas vezes pelo atendimento do Caps, ainda criança (2004-2009) e também enquanto adulto (2013-2017). Durante sua última passagem, ele realizou terapia em grupo e individual para “aprender a se socializar”.

Entre os motivos elencados pelo publicitário para procura pelo atendimento especializado, ele cita “família, dinheiro e relacionamentos”.

“Um compilado de coisas. O burnout do trabalho estourou a tampa, e eu não conseguia mais fechá-la. Acabei descontando em açúcar e álcool, tanto que no fim de 2017 acabei entrando em uma clínica, para ficar 15 dias internado. Tive uma briga série com meu irmão, depois de um término de relacionamento e de terem me sabotado no trabalho para não subir de cargo. Meu ódio me consumiu, pedi ajuda para a psicóloga, e ela me encaminhou para lá [clínica]”, relata.

Dessa maneira, o publicitário afirma que conseguiu reorganizar suas ideias e parar de se culpar por questões que não tinha controle, entendendo que tinha uma vida toda pela frente e que não podia desperdiçá-la com o que não tinha menor importância.

“Passei a viver mais intensamente e sem me preocupar com coisas que não fossem a minha saúde e felicidade”, frisa.

Já uma esportista tentou atendimento nos Caps, mas não conseguiu, uma vez que seu quadro não era considerado grave, de acordo com a classificação médica.

A jovem detalha que há cerca de quatro anos iniciou o tratamento para transtorno de ansiedade, crise de pânico, fobia social, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e alguns picos de depressão que teve na época, principalmente por questões profissionais.

Na época, a esportista relata que começou esse tratamento na rede particular. Após certo tempo, por estar se sentindo bem e por questões financeiras, ela parou de tomar as medicações prescritas.

Contudo, acabou que a jovem passou novamente por problemas profissionais e de cunho financeiro, os quais intensificaram suas crises de ansiedade e depressão. Foi então que ela pediu ajuda na rede pública.

“As situações profissionais, para mim, foram os principais responsáveis por desencadear as minhas crises. Desde quando comecei o tratamento, há quatro anos, até hoje. Tudo começou quando sofri assédio moral no trabalho”, ressalta a jovem.

Ao lado de um amigo, ela foi até um Caps diretamente. No local, conversou com uma assistente social, que disse que a unidade era para casos mais severos, como dependência química e tentativas de suicídio.

“Ela me fez um encaminhamento para uma unidade de saúde, e a partir de lá eu agendaria uma consulta e levaria um tempo para iniciar o processo. Aí eu acabei desistindo de ir e optei recentemente por marcar uma consulta particular, fazendo esse sacrifício financeiro para voltar a me medicar”, detalha a esportista.

Em tratamento há cerca de cinco anos, uma jornalista começou a ter acompanhamento após passar por muitas crises de pânico.

Desde criança, ela já apresentava sintomas como insônia e irritabilidade, mas nunca buscou ajuda.

Após terminar um relacionamento tóxico e viver a pressão da faculdade e do estágio, a jovem iniciou o tratamento.

“O meu primeiro atendimento no Caps foi em uma situação de emergência, quando entrei em crise e fui levada para lá pelo meu pai e minha irmã. Logo fui atendida, sem precisar ficar em fila nenhuma. Hoje eu vejo a diferença que o Caps fez para mim. Antes, eu fazia esse acompanhamento, mas não tinha um médico fixo, porque me tratava por meio de uma clínica popular, dependia de vaga disponível e consultava com quem tivesse horário”, salienta a jovem.

A jornalista pontua que no Caps faz seu tratamento com uma psiquiatra, que é acompanhada durante todo o processo e que já viu melhoras no tratamento de depressão, ansiedade e TOC.

Atualmente, ela relata que não tem mais crises como antigamente e que consegue identificar e trabalhar melhor suas oscilações de humor, além de também fazer sessões de terapia com uma psicóloga particular.

Via Correio do Estado MS

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