A pré-candidatura à Presidência da República do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, de 35 anos, será lançada oficialmente no próximo sábado (3), em São Paulo. Ele concorrerá pelo PSOL, tendo como vice na chapa a ativista indígena Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O evento, chamado de Conferência Cidadã, reunirá artistas, políticos, intelectuais e lideranças de movimentos sociais de esquerda, como o cantor Caetano Veloso, a produtora cultural Paula Lavigne, o arquiteto Nabil Bonduk, a deputada Luiza Erundina; Frei Betto; a cineasta Marina Person e a escritora Antonia Pellegrino, entre outros.
Boulos vem sendo tratado como o “outsider” da esquerda para a disputa de 2018. No caso, da extrema esquerda. Disse a amigos que estava preparado e animado para a campanha, que tem como meta colocar em cena uma nova articulação de esquerda e marcar posição.
E ele já tem um “programa de governo”. O Vamos!, uma plataforma de discussões da Frente Povo Sem Medo, da qual Boulos é um dos líderes, lançou um plano para o país. As propostas incluem medidas como a reestatização de setores como o de telefonia, a revogação de todas as reformas do governo Temer e o aumento de impostos pagos pelos ricos.
Filho de família abastada, Boulos decidiu morar num acampamento
Guilherme Boulos não é propriamente um sem-teto. Ele é filho de uma família com recursos – o que o leva a ser criticado por ser um ativista social “riquinho”. Seu pai é um dos mais renomados infectologistas do país, Marcos Boulos – professor de Medicina na Universidade de São Paulo (USP). Ele próprio tem diploma universitário e de pós-graduação. É formado em Filosofia e tem mestrado em Psiquiatria pela USP.
Apesar disso, Guilherme Boulos demonstra coerência com a opção de vida que fez. Aos 19 anos, saiu de casa para viver num acampamento de sem-teto. Conheceu sua mulher no movimento. E mora num bairro da periferia de São Paulo com ela e as duas filhas que o casal teve.
Atualmente, Boulos é o que os principais expoentes dos sem-terra – como João Pedro Stédile e José Rainha – foram nos anos 1990: o líder que consegue arregimentar multidões, ocupa áreas, atrai os olhares da imprensa para sua causa e a simpatia de intelectuais e artistas, e força os governos a negociar.
A luta pela reforma agrária arrefeceu, mas o problema da habitação urbana cresceu junto com as cidades. O MTST e seu líder acompanharam essa onda. E tornaram-se atores políticos relevantes, sobretudo em São Paulo – a grande vitrine do país.
Para o líder do MTST, ocupar imóveis é um direito
Boulos tem na ponta da língua a resposta para quem o acusa de ser um agitador e invasor. Diz que a habitação é um direito assegurado na Constituição. Lembra ainda que o texto constitucional determina que a propriedade privada tem de cumprir uma função social. Assim, diz o líder do MTST, propriedades privadas que não são usadas não cumprem a Constituição. E ocupá-las para assegurar a moradia, no entendimento dele, é um direito. Boulos faz questão de dizer que ocupação não é invasão (termo que demonstra ilegalidade).
O ativista também usa números para justificar as ocupações: o déficit habitacional no país é pouco superior a 6 milhões de unidades; e há 7 milhões de propriedades urbanas sem utilização no país.
Mas a “democratização” da propriedade urbana defendida pelo MTST é alvo de inúmeras críticas. O Ministério Público de São Paulo já definiu o movimento como uma “indústria de ocupações” que funciona da seguinte forma: ao montar um acampamento, o movimento pressiona o poder público a furar a fila de programas habitacionais e privilegiar os integrantes do MTST. Desse modo, o movimento cresce porque quem adere a ele é beneficiado. Seria uma tática de “faca no pescoço”.
De um lado, há quem diga que essa é uma forma de pressão legítima para agilizar os governos a desenvolveram projetos habitacionais populares. Porém, os críticos dizem que a tática de colocar outras pessoas na frente da fila por moradia não obedece ao princípio democrático da igualdade de direitos.
Proximidade com o PT. Mas não alinhamento automático
Guilherme Boulos e o MTST têm relação de proximidade, mas não de alinhamento automático, com partidos de esquerda – inclusive com o PT. O ex-presidente Lula tentou, sem sucesso, fazer com que Boulos desistisse de ideia de lançar sua candidatura para evitar a divisão da esquerda.
O líder dos sem-teto, aliás, costuma ser crítico do Partidos dos Trabalhadores. “O PT apostou durante 13 anos numa estratégia de conciliação com as forças políticas mais atrasadas em nome da ‘governabilidade’. E, embora essa aposta tenha sustentado três mandatos na Presidência da República, cobrou um preço elevado. O preço foi não fazer o enfrentamento com um sistema político falido, mantendo os esquemas de sempre”, disse Boulos em artigo publicado em julho de 2016 no jornal Folha de S.Paulo. Para ele, o programa Minha Casa Minha Vida, “menina dos olhos” dos governos do PT, apenas enxuga gelo.
Porém, Boulos considera que o impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe. E ele costuma defender Lula do que considera ser “ataques brutais” da Lava Jato e da mídia contra o ex-presidente.
O “plano de governo” de Boulos: flerte com o socialismo
O coordenador nacional do MTST não esconde sua inclinação pelo socialismo. Na adolescência, fez parte da União da Juventude Comunista. Quando o líder cubano Fidel Castro morreu, em 2016, disse que a história o absolveu. Uma das ocupações do movimento, em Guarulhos (SP), foi batizada com o nome do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez – defensor do “socialismo do século 21”.
Várias propostas para o país do Vamos!, movimento do qual Boulos faz parte, é estatizante, antimercado e com um forte viés socializante. Não há, por exemplo, a defesa do fim da propriedade privada. Mas o Estado ficaria maior e mais interventor na economia. E quem pagaria a conta, de acordo com as propostas, seriam os segmentos da sociedade com mais renda.
O Vamos! prega a necessidade de um pacote de medidas emergenciais para recuperar o emprego e a renda. O governo usaria suas reservas internacionais e o compulsório dos bancos (dinheiro, na verdade, dos correntistas) para fazer investimentos públicos que movimentem a economia. O plano ainda prevê a redução drástica da taxa de juros – prática antimercado. E o controle estatal de câmbio e capitais. Também haveria a ampliação do crédito para a população com menor renda e pequenos empreendedores, possivelmente por meio de bancos públicos.
O plano econômico do grupo de Boulos ainda prevê a reestatização de “setores estratégicos” (telefonia, energia, abastecimento de água e mineração). E a revogação de todas as reformas do governo Temer: a PEC do Teto de Gastos Públicos, a reforma trabalhista, a lei das terceirizações e a reforma da Previdência (caso venha a ser aprovada). A Lei de Responsabilidade Fiscal também seria revogada para permitir que o Estado fizesse mais investimentos.
Mas, afinal, quem vai pagar a conta?
O programa do Vamos! não traz números para mostrar como o governo iria financiar tantos gastos, que incluem ainda fortes investimentos sociais, num momento em que há um rombo nas contas públicas. Mas a saída está clara: aumento de impostos sobre o segmento da população com mais renda.
O plano prevê aumento impostos progressivos sobre renda e propriedade (paga mais quem tem mais), a criação de novas faixas do Imposto de Renda, a taxação de grandes fortunas e a instituição de IPVA para jatinhos, helicópteros e iates. O plano, por outro lado, defende a diminuição dos impostos pagos pelos mais pobres – inclusive com a desoneração da cesta básica.
Na área social, está previsto o investimento de 10% do PIB em educação (o que consumiria quase um terço da atual carga tributária, que é pouco superior a 32%). O plano prevê a ampliação das vagas em universidades públicas e o controle dos preços das mensalidades nas instituições privadas de ensino superior. Na saúde pública, seria decretado o fim das terceirizações por meio de convênios com instituições privadas. O fim do ensino religioso nas escolas públicas é outra proposta que consta do plano. O movimento também defende a política de cotas.
Outras propostas que vão onerar os cofres públicos são o transporte público gratuito, desapropriações de terras no campo e nas cidades para as reformas agrária e urbana (com pagamento por meio de títulos da dívida pública e a vinculação obrigatória de recursos no orçamento para habitação popular.
Em defesa da democracia direta, do desarmento, do aborto, da legalização das drogas
Do ponto de vista político, o plano do Vamos! prevê a ampliação dos mecanismos de democracia direta em detrimento do sistema representativo: mais plebiscitos para decidir sobre assuntos de interesse público; referendos para quaisquer emendas constitucionais aprovadas no Congresso; mecanismos de revogação de mandatos de políticos (o chamado “recall”); orçamento participativo; criação de conselhos populares com poder decisório.
O Vamos! defende ainda o voto em lista fechada (ou, seja, no partido e não no candidato para eleger deputados e vereadores), a extinção do Senado, a proibição de que pessoas eleitas para o Legislativo ocupem cargos no Executivo, o fim da vitaliciedade dos ministros do STF no cargo.
Outras propostas que constam do plano são: desmilitarização da polícia; desarmamento da população; legalização progressiva das drogas; casamento civil para homossexuais; legalização do aborto até a 12.ª semana de gestação; e regulamentação da prostituição.
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