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A mais de 1,4 mil km, o museu que se queimou levou parte da história de MS

Circuito MS

16:35 03/09/2018

[Via Campo Grande News]

O passado é algo abstrato. Quando observado, pode trazer lições. Para ser guardado, se vale de objetos materiais que ajudam a construir a memória. Parte dessa memória perdeu-se, ontem (2), no incêndio que atingiu um dos primeiros polos de pesquisa do Brasil: o Museu Nacional do Rio de Janeiro. No meio dela, a mais de 1,4 mil de quilômetros de distância de Campo Grande, viraram cinzas itens que ajudam a contar como Mato Grosso do Sul surgiu.

Além de vasto material sobre a guerra do Paraguai, incluindo um livro de poemas do ditador Paraguai Francisco Solano Lópes, o museu guardava parte da história indígena do Brasil e de Mato Grosso do Sul. O local abrigava o maior acervo da etnia sul-mato-grossense Guató. Além dos Guató, levantamento apontou que ali ficavam guardadas 265 peças dos Guarani e Kaiowá, entre objetos de cerâmica e artefatos religiosos.

 Pesquisadores indígenas de Mato Grosso do Sul tinham, no Museu, além de uma referência, uma conquista: estudar e pesquisar em um dos locais mais caros à história indígena do Brasil e do mundo. Agora, lamentam as perdas, ainda incalculáveis, com o incêndio de grandes proporções.

Jorge Eremites de Oliveira é formado em história e concluiu o estágio de pós-doutorado em Antropologia Social pela Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Jorge afirma que o dia é de luto.

“É muito difícil falar sobre isso, porque está todo mundo entristecido, enlutado com essa tragédia do incêndio no Museu Nacional. O Museu tem vários acervos de valor incomensurável, acervos que dizem respeito à história, arqueologia, antropologia, linguística e várias outras, é um acervo constituído ao longo de 200 anos. Diz respeito à história do Brasil, mas também à história mundial”, comentou.

Eremites conta que o Museu Nacional “é o maior Museu do Brasil”. “Foi construído a partir da década 1810, logo depois que a família real portuguesa veio para o Brasil. Ali também é o berço de onde foi proclamada a república”, conta.

Revista da Exposição Antropológica Brasileira, de 1882 (Reprodução)Revista da Exposição Antropológica Brasileira, de 1882 (Reprodução)

O que o pesquisador relata, é que o incêndio foi uma tragédia anunciada. Há anos e diversas gestões, afirma, recursos eram pedidos para preservar as estruturas. “ A direção do Museu, os colegas estão há vários anos implorando por recursos para restauração e adequação de normas atuais de segurança e governo após governo isso não foi feito”, contou.

Responsável pelo levantamento das 265 peças sobre os Guarani e Kaiowá, Tonico Benites fez o mestrado, doutorado e o pós-doutorado no Museu, que é ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). O tema do pós-doutorado de Tonico foi realizar levantamento sobre o acervo do Museu. Benites afirma que havia, na local histórico, mais de 30 mil peças sobre os povos indígenas.

“Na verdade eu fiz meu pós-doutoramento fazendo o levantamento sobre o acervo. Ali tem mais 30 mil peças, específico sobre coleções dos Guaranis tentei fazer levantamento no setor etnologia, etnografia, tentando mapear um pouco sobre o acervo dos Guarani e Kaiowás de Mato Grosso do Sul. Eu consegui pegar o levantamento, 265 peças do povos Guaranis e Kaiowás de Mato Grosso do Sul, que foi levado lá em meados de 1950. Objetos de cerâmica, objetos de rituais, são todas peças dos povos Guarani e Kaiowá”, comentou.

“É lamentável, é muito difícil, porque ali estava toda a origem da história dos Guarani e Kaiowá. É para entender a história do começo do Brasil. O Museu Nacional era muito amplo”, conta. Agora, relata, as perdas podem até dificultar as pesquisas sobre os indígenas.

Advogado Terena, Luis Henrique Eloy faz Doutorado no Museu Nacional. Para ele o dia é triste, já que o doutorado representa uma conquista, além do aprendizado sobre direitos indígenas. “O Museu Nacional tem um significado muito especial pra mim e pra minha família também. Historicamente, especialmente no período da ditadura, o Museu foi um grande centro de encontro e de agrupamento de pesquisadores que fizeram um enfrentamento à ditadura militar e a opressão que estava naquele momento político no país. Mas o Museu tem um grande acervo do ponto de vista indígena”, comenta.

“Pra mim foi uma oportunidade de conhecer e aprofundar as leituras no que diz respeito à política indigenista, meu orientador lá é o Antônio Carlos de Souza Lima que trabalha muito com essa questão da antropologia do Estado. Nós perdemos, todos os brasileiros e a humanidade, perdeu ali parte do seu passado”.

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