Amigona dos vizinhos, Dona Nilce acorda às 5h manhã para limpar o quarteirão
9:20 26/04/2019
[Via Campo Grande News]
Contrapondo aquilo que se tornou costume nas ruas de Campo Grande, lixos e reclamações da população, aos 54 anos Nilce Freitas passa o dia inteiro limpando o quarteirão onde mora, no Portal Caiobá e não reclama do trabalho. Com a vassoura nas mãos, sacola e muito sorridente, ela acorda todos os dias às 5h da manhã para limpar a vizinhança e os terrenos baldios. Boa vontade e disposição é o que não falta para a vizinha mais conhecida da região.
“Temos uma rua, mas ninguém se propõe a varrer e só vai acumulando sujeira. Passam e jogam garrafas, latinhas na rua. Aí querem culpar governo, prefeitura, mas se não fizermos a nossa parte, o governador não tem nada a ver com isso e o prefeito menos ainda. Eles não têm como ficar se deslocando para ver só esse pedacinho, o povo julga muito, mas é relaxado”, diz.
Quem entra na rua Pará, entre as ruas Gaia e a Francisco Antônio de Souza, logo avista o chão de terra vermelha sem nenhuma sujeira e uma mulher de cabelo vermelho varrendo sem parar. A todo momento, pessoas passam e a cumprimentam, já virou rotina.
Nilce mora no local há quatro anos e relata que limpeza vem de berço. “É dos pais para os filhos. Minha mãe dizia que queria a casa limpa, então sabia que tinha uma obrigação. Morei por 30 anos no Aero Rancho, fazia a mesma coisa por lá. O pessoal sente a minha falta agora”, comenta.
Nilce sai catando a sujeira da rua todos os dias (Foto: Kisie Ainoã)
Catando um lixo aqui outro lá, sem nenhuma pressa ela vai andando com a vassoura até limpar tudo. No entanto, mesmo com a boa vontade de Nilce, tem aqueles que não respeitam. “Homens chegam e jogam garrafas, não são capazes de levar o lixo pra casa deles e por no saquinho. Alí era um matagal, pedimos para alguém tomar iniciativa. O proprietário fala que não mora em Campo Grande e ninguém faz nada. Então, com a ajuda de outra vizinha limpei tudo”.
A fixação pela limpeza e organização vem desde a infância, quando Nilce ia até à casa dos parentes para ajudar. “Cresci no meio de, fazer o bem sem olhar a quem. Um parente teve problema de saúde, mas não tinha dinheiro para pagar funcionário. Pediu para minha mãe, pra eu ajuda-lo. Amadureci rápido”, disse. “Somos em quatro irmãos, todos com o mesmo sintoma. Contagio todos com a vassoura na mão”, brinca.
A moradora conta que muitos reclamam da sujeira, mas é preciso que cada um faça a sua parte (Foto: Kisie Ainoã)
Curiosos – Ela relata que todas às vezes que pega sua vassoura, aparece alguém perguntando se trabalha com serviços gerais. “Digo que não, mas aí questionam; Por que está limpando? É porque aqui está latinha, garrafa, papel, plástico. A maneira de chamar atenção é pegar uma vassoura e colocar a mão na massa”, destaca.
Na sua rua, não tem asfalto e o chão é desnivelado. Quando chove, a enxurrada faz acumular lixo em frente a sua residência. “É descida, e para tudo aqui na minha casa e no portão dos meus vizinhos. Então, vou varrendo até o mercado. Lá tem funcionários, mas ninguém limpa na frente ou quando limpam, jogam no quintal da frente que é um terreno baldio também. Qual a diferença se for tirar dessa parte da rua para jogar na outra? Não muda nada, vai continuar tendo problema”, afirma.
Nilce teve dengue quatro vezes e relata que a limpeza é uma forma de se proteger. “A doença não tem hora. Se não cuidar do seu quintal, vai achar uma Nilce pra cuidar. O que não quero pra mim, não desejo aos outros. Ser humilde e pobre não é defeito, a maior riqueza é ser honesto e limpinho”.
“Nesse ano, aqui foi foco do mosquito e 14 pessoas pegaram dengue. Incentivo os vizinhos a limparem também, nem que seja o quintal deles mesmos. Não é só quando adoece que tem que pensar na saúde”, afirma.
A ficha dos moradores com relação à limpeza está caindo, diz Nilce. “Aqui o pessoal está motivado. Estamos fazendo um pedaço do nosso bairro melhor. Limpo toda vez que estou em casa. De manhã, tarde e a noite. De madrugada já estou com minha vassourinha”, falou. “Limpando, vamos ver a cidade melhor. Não é porque moro numa periferia que não pode fazer ficar bonito, vai ficar linda sem lixo na rua”.
O mini jardim plantado por dona Nilce para melhorar a “aparência” da rua (Foto: Kisie Ainoã)
Mão amiga – Quando se mudou para o Caiobá, Nilce conheceu o casal, Jerônima, 72, e Raul, 75, que mora em uma casinha de madeira azul, em frente a sua residência. O idoso é cego e sua esposa precisa de andador para se locomover. Aproveitando o embalo da rua, ela aproveita para limpar o quintal deles.
“O quintal deles é grande, tem árvores que derrubam folhas. Não é justo pagarem R$ 70 a cada 15 dias para estarem varrendo. Então sempre limpo, aproveito o embalo da rua”, disse.
“No começo, compravam sacos para eu limpar e juntar a sujeira. Mas depois, começou apertar porque eles gastam muito com medicação. Outra vizinha se dispôs a dar sacos, pra evitar a queimada. Como é muito lixo, folhas e não tinha onde colocar, ateava fogo. Fazia isso só quando os moradores não estavam, para não atrapalhá-los”, relata.
Para melhorar a “aparência” do local, dona Nilce plantou várias flores do lado de fora do quintal do casal de idosos. “Gosto de plantas e na casa que estou o quintal não é grande. A dona Jerônimo também adora e me cedeu o espaço. Fica bonito para todos. Coloquei cabeça de bonecos porque tinha recebo alguns brinquedos para doar, mas como não estava completo não seria legal dar assim. Então coloquei aqui, e serve até para não mexerem porque acham que é macumba, mas não é”, diz dando risada.
Dona Nilce é mãe de três filhos e conta que sempre trabalhou com limpeza para sustentá-los. “Fazia faxina em uma creche quando morava no Aero Rancho, que tinha dois quintais grandes. Hoje eles já estão todos encaminhados. Depois que sai lá, o povo ficou me chamando para ver como estava a rua. Pensei que tivesse deixado uma herança, mas não”.
Em outubro de 2018, sua mãe, Dirce Freitas que mora no Conjunto União descobriu que está com câncer e desde então passou cuidá-la. Nilce fica com ela de segunda a terça, porém não abre mão de limpar a rua. “Faço a mesma coisa lá. É uma forma de distrair, assim não fico pensando bobeira e chorando. Os vizinhos dela também se acostumaram comigo, todos pegam a vassoura e saem varrendo, igual eu”, diz.
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