Brasil

Apps de entrega e transporte no Brasil não pagam nem o salário mínimo, segundo relatório

Circuito MS

9:00 26/07/2023

Projeto Faiwork, sediado em Oxford, indica que as principais plataformas de transportes, entregas e outros bicos não garantem o pagamento nem de R$ 6 por hora, valor que fica abaixo do mínimo nacional que é de R$ 1.320,00

As maiores plataformas de entregas, transportes e outros bicos não garantem pagamento nem de R$ 6 por hora, mostra relatório sobre o Brasil divulgado nesta terça (25) do projeto Fairwork, sediado em Oxford. O valor fica abaixo do salário mínimo nacional, de R$ 1.320.

Apenas a plataforma de entrega criada sob a promessa de remuneração justa AppJusto e o aplicativo de serviços domésticos Parafuzo atendem aos critérios eleitos pela pesquisa.

Nenhum app consegue pagar o salário mínimo considerado necessário pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), hoje equivalente a R$ 6.676,11 (cinco salários mínimos). Esse patamar valeria um ponto a mais à plataforma nos critérios do Fairwork.

A 99 garantiu em 2021 pagamento de ao menos um salário mínimo nacional aos motoristas do aplicativo, o que deu um ponto à empresa na categoria remuneração justa. Perdeu a pontuação por não conseguir apresentar evidências de cumprir a promessa.

Foram avaliados também: Americanas Entrega Flash, GetNinjas, iFood, Lalamove, Loggi, Rappi e Uber. Assim como a 99, ficaram sem ponto algum por não atender a critérios mínimos de remuneração, condições, contratos, gestão e representação justas dos trabalhadores —cada critério vale dois pontos.

De acordo com o Fairwork, nenhuma plataforma no Brasil promove condições de trabalho justas no Brasil, com organização de treinamentos e fornecimento de equipamentos para garantir segurança e saúde aos seus trabalhadores.

Apenas AppJusto alcançou três pontos de dez possíveis. Os pesquisadores ouviram oito a dez trabalhadores de cada empresa para chegar à avaliação indicada no relatório entre julho de 2022 e julho deste ano.

Ainda assim, os aplicativos ganharam pontos em relação ao relatório divulgado em 2021, quando três aplicativos pontuaram, mas as notas mais altas ficaram em dois pontos.

Para o professor da Universidade de Toronto Rafael Grohmann, coordenador da pesquisa no país, a melhora no resultado é reflexo da pressão de movimentos de trabalhadores uberizados e da discussão dessa forma de trabalho pelo governo.

A edição de 2021 avaliou o UberEats, que deixou de funcionar em março de 2022. Americanas Entrega Flash, Lalamove, Loggi, AppJusto e Parafuzo foram avaliados pela primeira vez.

O maior pontuador, AppJusto, foi criado em 2021 na esteira das mobilizações de entregadores organizadas no início da pandemia de Covid-19. A inspiração teria vindo durante o episódio sobre Delivery do programa Greg News, publicado em 17 de abril de 2020.

A plataforma adota um padrão, em que uma corrida custa R$ 10 até 5 km e mais R$ 2 por quilômetro adicional. Desse valor, desconta-se a taxa da operação financeira fixada em 5%. A remuneração do marketplace também vem do estabelecimento.

O aplicativo, contudo, tem apenas 2.700 entregadores registrados, contra 200 mil do iFood. Ainda falha em questões como liberdade de associação e apoio em termos de saúde e segurança.

A performance do AppJusto demonstra que é possível oferecer melhores condições, mas que ainda é preciso avançar em muito, diz Grohmann.

A outra plataforma que garante remuneração justa, Parafuzo, funciona em 160 cidades e tem mais de 5.000 trabalhadores registrados. Os clientes ainda podem contratar os serviços da Parafuzo no marketplace das Casas Bahia.

O Parafuzo não pontuou no critério contrato justo porque não teria apresentado evidências de implementar medidas para reduzir a desigualdade na plataforma. Não há transparência também sobre o funcionamento do algoritmo.

O AppJusto é exemplo de contratos transparentes com seus entregadores, segundo o estudo. Mantém uma página com uma explicação de como paga por serviço. Os motoristas ainda têm autonomia para definir o valor do serviço e outras condições em contato com o cliente e o restaurante.

Na semana passada, o iFood anunciou mudanças em sete cláusulas de seu contrato para se adequar aos critérios do Fairwork de contrato justo.

Procurada pela Folha de S.Paulo, o iFood afirma que integra o grupo de trabalho criado pelo governo federal para discutir a regulação do trabalho intermediado por aplicativos. Segundo a plataforma, a maioria dos eixos do relatório Fairwork Brasil está contemplada nas discussões do GT.

“Em julho deste ano, aumentamos o ganho em 4,5% —é o terceiro ano consecutivo com reajustes, e somos a primeira empresa brasileira a apoiar a Carta-Compromisso Ethos sobre Trabalho Decente em Plataformas Digitais”, diz o iFood.

Os pesquisadores do Fairwork conversaram com um entregador carioca da Loggi, que pediu para ter seu nome preservado. Ele disse que a remuneração diminuiu muito desde o início da pandemia.

“Uma entrega de carro que era dez pacotes a cento e poucos reais, passou a vir com 40 pacotes a R$ 50. Virou uma bagunça! A Loggi começou a pagar muito mal”. diz João.

Na metodologia do Fairwork, os pesquisadores calculam uma nota para cada aplicativo com base em uma pesquisa quantitativa e qualitativa. As empresas têm 15 dias para responder com adequações.

Em resposta à reportagem, o Uber afirma que o documento do Fairwork carece de rigor científico. “A Uber esclarece que não participou do relatório e apresentou seus problemas há mais de seis meses, quando foi convidada por representantes do Fairwork Brasil a colaborar com a iniciativa.”

“A pesquisa não considera, por exemplo, a premissa de flexibilidade que motoristas têm para decidir quando e quanto dirigir e quais solicitações de viagens querem atender ou recusar”, diz o Uber
O Movimento Inovação Digital, do qual participam 99, Loggi, GetNinjas, Parafuzo e Americanas, afirmou em nota que busca alcançar uma solução sustentável por meio do diálogo entre empresas, representantes dos profissionais e governo. O grupo também participa das discussões com o governo federal.

A Parafuzo, a partir do diálogo com o Fairwork, adotou um programa de seguros para acidentes pessoais e de vida decorrentes desses acidentes para todas as diaristas e montadores que utilizam a plataforma. “Publicamos informativos de segurança e aprimoramos canais de suporte em tempo real e ouvidoria para receber e tratar as preocupações, reclamações ou sugestões”, diz o aplicativo em nota enviada à Folha.

Procuradas, AppJusto, Americanas Entrega Flash, Loggi e Lalamove não responderam até a publicação desta reportagem.

A Amobitec que reúne iFood, Uber, 99 e Lalamove afirma em nota à Folha que o trabalho intermediado por plataformas de mobilidade e entregas “de maneira alguma configura uma atividade profissional menos decente do que qualquer outra.” A Amobitec também participa do GT tripartite proposto pelo governo.

A entidade diz que, segundo pesquisa do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), 48% dos entregadores e 37% dos motoristas têm outros trabalhos. A jornada média de trabalho de motoristas está entre 22 e 31 horas semanais e de entregadores, entre 13 e 17 horas por semana.

Em nota enviada à Folha de S.Paulo, o GetNinjas afirma que, no seu modelo de operação, o contato, negociação e pagamento do serviço entre profissional e cliente são realizados fora da plataforma. “Nosso funcionamento e perfil de usuários se diferenciam dos demais citados na pesquisa.”

Também em comunicado, a 99 afirma que os condutores de aplicativos têm renda líquida média mensal de R$ 2.925 a R$ 4.756, com jornada semanal de 40 horas. A fonte é a pesquisa do Cebrap citada pela Amobitec.

“Para a 99, o bem-estar dos motoristas parceiros é prioridade”, diz a plataforma, que tem 1 milhão de motoristas cadastrados. A empresa afirma que lançou, em março de 2022, o adicional variável de combustível, um auxílio no ganho do profissional, que conforme o preço da gasolina.

Via Correio do Estado MS

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