Mato Grosso do Sul

Comida mais cara transforma hábito das pessoas em Mato Grosso do Sul

Circuito MS

10:12 26/02/2022

Com até pelanca sendo cobrada hoje em dia nos açougues, moradores do Estado relatam dificuldades de viver com salários na faixa dos R$ 2 mil

“A gente antes podia comer lanche no fim de semana ou comprar um frango assado. Não dá mais. Depois de um bom tempo, acho que uns seis meses, me deu muita vontade e fui comprar R$ 20 de carne porque queria comer bife. Veio alguns pedaços que a gente precisou cortar para fazer porções menores e dar para todo mundo”, relatou Lucineia de Araújo, 46 anos, moradora do Conjunto Corumbella, onde vive com cinco pessoas, em Corumbá.

Ela não é a única a comentar sobre a dificuldade em comprar alimentos, entre eles, a carne, conforme noticiado pelo Correio do Estado.

“Osso era dado antes, hoje custa dinheiro. Dependendo do mercado, às vezes sai por R$ 10 [o quilo]. E vinha carne, agora é só osso mesmo”, ressaltou Gisele Regina da Silva, 36 anos, moradora do Bairro Cristo Redentor, onde vive com mais quatro pessoas.

Comprar comida nos tempos atuais, principalmente alguns itens da cesta, tornou-se caro e tem pesado muito para milhões de brasileiros, principalmente quem está inserido nas classes E, D e também na C.

Uma das amostras sobre esta realidade foi a fila formada em dezembro do ano passado, quando um açougue em Corumbá decidiu fazer doação de ossos.

Foram três dias de doação e, em todos as oportunidades, filas foram formadas com centenas de pessoas. No primeiro dia de distribuição, teve gente chegando três horas antes do anunciado para tentar garantir o melhor lugar.

Esse fato exemplifica um pouco do que Lucineia e Gisele comentaram e acaba sendo endossado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que identificou, a partir de estudo desenvolvido pelos pesquisadores Guilherme Cunha Malafaia, Sergio Raposo de Medeiros e Fernando Rodrigues Teixeira Dias, que o custo da carne fez o consumo cair drasticamente.

Diferentes fatores que surgiram com a pandemia da Covid-19, que começou em março de 2020 e ainda não acabou, geraram reverberações na pecuária, na agricultura, e, consequentemente, isso foi para a casa das pessoas.

“A pandemia da Covid-19 provocou mudanças na mesa dos brasileiros, que reduziram o consumo de carne bovina para o menor nível em 25 anos. Entretanto, esse consumo se fortalecerá em um futuro próximo”, apontam os pesquisadores.

ADAPTAÇÃO

No dia a dia, a expectativa de melhora ainda não chegou. O que surgiu, com isso, foi a adaptação da alimentação para garantir que haja comida todo dia.

Marly Aparecida, 35 anos, vive com o marido. Vendedora autônoma, tem rendimento mensal que varia de acordo com as vendas. Ela é colega de trabalho de Lucineia e Gisele.

As três vendem bolo nas ruas de Corumbá e precisam enfrentar jornada de mais sete horas, algumas vezes, sob o sol de 40ºC em algumas partes do dia, para percorrer de porta em porta e garantir as vendas e um salário.

Em períodos melhores, as vendedoras, que realizam esse comércio em forma de cooperativa com outras pessoas a partir de projeto social que existe em Corumbá, podem receber em torno de R$ 1,8 mil por mês. Quando não existe tanta saída, o salário chega a ser de R$ 600.

As vendedoras foram enfáticas ao comentar que até mesmo para adquirir pelanca é preciso ter dinheiro reservado, algo que não ocorria até dois anos atrás.

“Tudo está muito caro. O jeito é fazer uma mistura. A pelanca, por exemplo, dá para fritar e fazer com o feijão. Dá um gostinho a mais. Hoje, para comprar pelanca você vai pagar R$ 2 ou R$ 3 o quilo”, detalhou Marly.

Camilo Santana, 19 anos, mora com a esposa e relatou que o pai tinha um carrinho de lanches até meados do ano passado. Como a carne moída passou a ficar cara, o sanduíche que ele vendia não dava mais para ser vendido a R$ 7.

“Hoje, um lanche barato não sai por menos de R$ 10. Meu pai parou de vender lanche porque ele não conseguia mais comprar e, quando precisou aumentar o preço, as pessoas compravam menos”, explicou Santana.

NÃO É SÓ CARNE

Quem está com rendimento apertado dentro de casa sabe que, se fosse o custo alto só da carne, seria possível se adaptar. Mas itens da cesta básica aumentaram ao longo de 2020, 2021 e neste ano.

Nessa lista, o grupo entrevistado pelo Correio do Estado mencionou o arroz e o feijão (juntos, tiveram aumento de 60% entre março de 2020 e março de 2021, conforme a FGV) e o óleo (90% de aumento, de acordo com o Dieese, entre 2020 e 2021).

Nessa esteira de reajuste sobre reajuste ao longo dos dois últimos anos, o rendimento das pessoas não conseguiu acompanhar na mesma proporção.

O salário mínimo passou, neste ano, para R$1.212, reajuste de 10,02%, mas o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 2021 foi de 10,16%.

Essa pequena diferença representa R$ 1 que o trabalhador perdeu na base do salário mínimo. Quando os alimentos aumentam dois dígitos, qualquer perda é sentida.

“A gente comprava mais de um saco de arroz por mês, mas, com os aumentos que aconteceram, o jeito foi diminuir, fechar a boca e comer menos. Não tem outra coisa a fazer. Eu e meu marido ficamos atrás das promoções também”, revelou Lucineia de Araújo.

Gerente de um açougue em Corumbá, Idalice Dias Pereira, 43 anos, identificou que as pessoas passaram a procurar partes mais baratas, como pelanca e osso.

Ela também atuou com os demais funcionários e encontrou soluções para fazer a carne moída ficar mais barata e criar cortes, como o picadinho econômico.

“A gente fez a geladeira econômica aqui. Colocamos esses produtos mais baratos nesse local, e a saída é muito grande”, revelou Idalice.

Conforme a gerente, o cenário de dificuldade financeira de muitas pessoas persiste e ainda será preciso aguardar uma mudança da economia.

“Um dia, um senhor chegou aqui com R$ 0,50 para comprar salsicha. Isso dá meia salsicha. Essa é uma realidade que temos. Mas o que deixo claro é que, independentemente de a pessoa vir comprar com R$ 0,50 ou R$ 50, ela merece ser respeitada e tratada bem. Esperamos que esse momento mude”, concluiu.

SAIBA

Corumbá tem um dos índices per capita mais baixos de MS. A cidade está em 50º lugar no Estado, entre 79 municípios, apesar de ser a quinta maior economia. As classes E, D e C2 representam 61,71% da população de 110 mil habitantes.

Via Correio do Estado MS

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