Cúpula do Exército diverge sobre uso de militares na segurança pública
8:35 19/02/2018
[Via Midiamax]
Em uma decisão inédita na nova democracia, o presidente Michel Temer decidiu decretar intervenção federal na segurança do Estado do Rio de Janeiro, assolado por grave crise. Com o decreto, assinado nesta sexta e já em vigor, ainda que tenha que passar pela sanção do Congresso, sai de cena no comando das forças segurança o governador do Estado, Luiz Pezão (PMDB), e entra o general Walter Souza Braga Netto. O texto dá plenos poderes para o general, que terá controle de todo o setor de segurança fluminense, incluindo as polícias Civil e Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, o setor carcerário. Ainda há muitos pontos obscuros, mas aqui vão perguntas e respostas sobre o que se sabe a intervenção federal e seus efeitos práticos e políticos.
Como vai funcionar?
Ainda não está claro como a operação vai funcionar em sua integralidade. Na prática, o que se sabe é que muda o comando das forças de segurança. É o general Braga Netto quem comandará a PM, a Polícia Civil e os Bombeiros e ainda a estrutura penitenciária do Estado — central na dinâmica das facções criminosas—, e não o governador Pezão ou o secretário de Segurança, Roberto Sá, que inclusive colocou o cargo à disposição. Braga Netto pode trocar o comando dessas forças, se quiser, ou mesmo implementar mudanças internas ou remoções. Para os especialistas, um dos problemas é justamente a infiltração de criminosos nas polícias, ainda que o próprio Exército não esteja livre de episódios de envolvimento com o narcotráfico. Na entrevista à imprensa, o general foi vago a respeito dos planos e disse que ainda iria começar o “planejamento”, mas prometeu que o principal efeito deve ser a maior coordenação entre as forças de segurança já em atuação.
Qual é o histórico do interventor e a quem ele responde?
Braga Netto, mineiro de Belo Horizonte, é o principal nome do Comando Militar do Leste. Por causa disso, o general controla atividades administrativas e logísticas do Exército Brasileiro em três Estados: Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Na função, ele responde por cerca de 50.000 militares, ou um quarto do contingente terrestre brasileiro. O general foi um dos responsáveis pelo plano de segurança para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos em 2016. O interventor do Rio não responderá a Pezão ou mesmo ao Comandante do Exército Brasileiro,Eduardo Dias da Costa Villas Bôas – o general, doente, deve deixar o cargo em março. Pelo decreto assinado, Braga Netto responderá diretamente a Temer. Presume-se que quem terá influência sobre o presidente na questão é o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI, órgão recriado por Temer), o general Sérgio Etchegoyen.
Há divergências dentro das Forças Armadas sobre atuação na segurança pública?
O comandante-geral do Exército, o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, criticou em dezembro passado o uso “constante” da tropa em “intervenções” nos Estados. Ele se disse “preocupado” com o emprego do Exército nas ações respaldadas pela lei de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). “A segurança pública precisa ser tratada pelos Estados com prioridade “Zero”. Os números da violência corroboram as minhas palavras”, afirmou o militar em sua conta no Twitter.
Já o general Sergio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Michel Temer e um dos principais assessores do presidente na área de segurança pública, é um defensor das ações de GLO. “Somos treinados em cima de princípios, de conceitos, com alguns fundamentos, com muita flexibilidade pra dar agilidade mental pra poder resolver o problema. Então, se der pro militar um problema de segurança pública, ele vai se adaptar e vai fazer”, afirmou ele a diplomatas, de acordo com o Intercept. Em 2014, Etchegoyen foi o único militar da ativa a criticar a Comissão Nacional da Verdade, que investigou os crimes da ditadura militar e apontou um parente dele como ligado à tortura. Para ele, o relatório da comissão foi “leviano”.
Se cometeram homicídio durante o trabalho, os militares respondem em que tipo de Justiça?
Um projeto de lei aprovado no final do ano passado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Governo Temer prevê que crimes cometidos por militares durante operações especiais em território nacional sejam julgados não mais em um tribunal civil, mas sim em um tribunal militar. Isso significa que eventuais abusos contra os direitos humanos serão apurados e julgados pelos próprios militares, enfraquecendo o controle civil sob as Forças Armadas. Entidades batizaram o projeto de “licença para matar”, enquanto que especialistas falam que a aprovação de projeto demonstra, hoje, que a intervenção federal já vinha sido cogitada há mais tempo.
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