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Formada por nomes de peso no Estado, ADEMAT era braço contra “comunistas”

Circuito MS

7:50 29/03/2019

[Via Campo Grande News]

Na “defesa dos interesses da pátria e dos ideais democráticos”, a história diz que “cidadãos de bem” da ADEMAT (Associação Democrática Mato Grossense), eram os principais combates da esquerda nesta região do País. Relatos da época mostram que, comumente, funcionários do alto escalão da entidade eram vistos portando metralhadoras e outras armas de uso exclusivo do exército brasileiro. Políticos, empresários e fazendeiros fazem parte de uma longa lista de militantes que apoiaram o golpe de 1964 e até hoje permanecem no“hall da fama” pelos grandes feitos.

Os nomes e fatos mencionados pertencem a pesquisa do professor universitário Eronildo Barbosa da Silva, que em seu artigo sobre o golpe de 1964 no Sul de Mato Grosso, detalha alguns trechos do que ele apresenta como “um período histórico que não se trata de mal ou bem, é um acontecimento histórico real e que precisa ser entendido dentro dos acontecimentos da época”. Eronildo relata que a Ademat nasceu em 1962 e ganhou corpo depois que o então presidente João Goulart, em 1963, criou a Superintendência de Política Agrária (Supra), que deveria fazer a reforma agrária no país inteiro. “Os principais fazendeiros do estado criaram a entidade para combater a reforma, eles não estavam envolvidos no golpe de 1964, mas se envolvem no processo por isso”, explica.

Eronildo Barbosa da Silva, na sua biblioteca, em casa.Eronildo Barbosa da Silva, na sua biblioteca, em casa.

Em seu artigo, Eronildo cita algumas lideranças da associação como: “Munir Bacha, Cláudio Frageli, Agustinho Bacha, Osvaldo Baker, Ladislau Marcondes, Rodolfo Andrade Pinho, Vicente Oliva, Italivio Coelho, Assis Brasil Correia, Lúdio Coelho, Roberto Spengler, Cândido Rondon, Irmão Bello, Daniel Reis, Cícero de Castro de Farias, Annes Salin Saad, Eduardo Metelo e Cel. Câmara Sena”.

De acordo com Eronildo, esse era o chamado “núcleo duro”, com os responsáveis pela formulação e aplicação da política de direita no Sul de Mato Grosso.

“Nunca foi uma coisa formalizada, eles agiam com certa liberalidade. Andavam armados, ajudavam nas prisões ou denunciavam aqueles que deveriam ser presos. Um grupo-paramilitar, gerido por fazendeiros e comerciantes, pessoas que faziam parte das articulações políticas e eram mais um braço armado da ditadura em Campo Grande”, define.

Muitas prisões foram relacionadas aos “desafetos” dos membros da Ademat, que comandavam uma verdadeira “caça às bruxas”. “Bancários foram presos, alguns eram efetivamente ligados ao sindicato e eram ligados também ao partido comunista brasileiro. No entanto, muitas das prisões foram motivadas por situações anteriores, alguns empresários rurais mal intencionados iam pedir empréstimos no banco. Os bancários, por motivos justos na época, não emprestavam, eles ficavam com raiva. Quando vem o golpe e eles ganham corpo, eram empresários de grandes nomes e com muito poder, então eles ajudaram no golpe comandando as principais lutas, como políticos, empresários, como atores comprometidos com as terras de direito”, escreve.

Presidente Geisel, penúltimo da era militar, ao lado do ex-governador Harry Amorim, em visita ao Morenão, em 1979. (Foto: Arquivo da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul).Presidente Geisel, penúltimo da era militar, ao lado do ex-governador Harry Amorim, em visita ao Morenão, em 1979. (Foto: Arquivo da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul).

Entre os muitos episódios, Eronildo destaca um acontecimento de janeiro de 1964, quando grupo de militantes do PCB resolveu comemorar o aniversário de Luís Carlos Prestes com “pichações na cidade”. Durante a madrugada, a polícia chegou ao local, não mencionado, acompanhada por alguns membros da Ademat. “Por mais que os militantes explicassem que aquela ação era democrática, que os muros da cidade tinham inscrições de outros políticos não houve negociação”. Por “acaso”, esse mesmo grupo era formado pelos bancários José David, Ari Rodrigues, Arquimedes, Altino Dantas e Serafim. Libertados ainda na mesma noite por Wilson Barbosa Martins, que sofreu represálias públicas de seus colegas políticos no principal jornal do estado, que prosperou ao não oferecer oposição ao golpe e publicar notas com nomes de presos e declarações militares.

Não há muitos registros sobre os prédios que serviam para fortalecer os “porões da ditadura” em Campo Grande. Mas os principais locais apontados por Eronildo como palco das prisões no estado está o atual prédio do Sesc Cultura, na Avenida Afonso Pena, que na época era base de uma companhia da Polícia Militar e até também funcionou como hotel de trânsito do Exército. “Naquele local personalidades como Rádio Lima e Walter Pereira foram presos. Primeiro as pessoas eram presas ali, onde também aconteciam interrogatórios, em alguns casos eles eram levados para o Rio de Janeiro. A tortura começa quando você é preso, sua vida passa a ser monitorada, seu telefone é grampeado, seus amigos eram aconselhados a se afastarem de você. Depois tem o processo efetivo, físico, de bater, torturar e humilhar”.

Corumbá também teve o próprio cenário e que ficou conhecido há pouco, através da comissão nacional da verdade, criada para investigar as ocorrências do golpe. Conhecido como “Navio prisão” e denunciado por Waldemar Dias de Rosas em seu depoimento à comissão, e que foi ponto de partida para o resgate do caso de pelo menos 40 militantes, políticos e religiosos levados para o barco, que servia como cadeia. Local perfeito, segundo Eronildo, para isolar os prisioneiros, que não tinham acesso à sociedade, ao advogados e menos possibilidades de fuga.

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