Invasão e favela vertical: o saldo de projetos habitacionais “falidos”
7:20 30/03/2018
[Via Campo Grande News]
Cigarro paraguaio com preço oscilante entre R$ 2 e R$ 2,50; pula-pula que custa R$ 1 pelo uso durante dez minutos; ovo de Páscoa caseiro; manicure. As diversas propagandas que se espalham pelo “esqueleto” da massa falida da Homex, no Jardim Centro-Oeste, reforçam a proporção da invasão, que se estende por uma grande área e já conta com núcleo comercial em expansão.
Do outro lado da cidade, na Mata do Jacinto, uma favela vertical, cuja estrutura deteriorada levou o prédio a ser apelidado de Carandiru, é herança da falência da Degrau, em mais um projeto habitacional frustrado.
Na manhã acompanhada pela chuva que marca os últimos dias de março, o galo canta e os cachorros se escondem no prédio inacabado da rua Jamil Basmage, na Mata do Jacinto. A ruína é o endereço há 11 anos de Luzenir da Silva, 60 anos.
Ela conta que testemunhou quatro tentativas de expulsão e tem receio de perder o lugar onde mora. O apartamento no térreo ganhou janelas e piso em dois cômodos. O imóvel tem três quartos, sala, cozinha e dois banheiros.
No terreno, muito medidores dos serviços de água e energia. O local foi invadido há quase duas décadas, após a falência da construtora responsável pela obra.
A poucos passos do “Carandiru”, os prédios do residencial pagos pelos moradores são pintados, com portão eletrônico e iluminação interna.
Novela mexicana – No jardim Centro-Oeste, a área invadida é remanescente do projeto milionário da Homex, empresa mexicana que veio a Campo Grande com a promessa de construir três mil casas.
A chegada foi precedida por tensão entre a prefeitura e a Câmara Municipal. O ano era 2010 e um projeto para permitir a vinda do grupo, que anunciou investimento de R$ 200 milhões, foi votado com trâmite acelerado.
As mudanças eram para reduzir o tamanho mínimo do terreno, passando de 360 para 250 metros quadrados e aumento da quantidade de casas por condomínio.
Mas, já em 2013, o projeto foi abandonado. E no ano passado os terrenos da empresa, que receberiam os residenciais, foram invadidos. Imóveis ainda no térreo logo foram ocupados e servem de moradia e comércio, como salão de cabeleireiro e conveniência. Num dos “esqueletos” avisos em letras garrafais alertam que o local “tem dono”.
Na conveniência do Beiço, Everton de Oliveira Santos, 29 anos, conta que mora no prédio inacabado há um ano e oito meses. Ele relata que era motorista, sofreu um acidente de trabalho que afetou a visão e, ainda assim, foi demitido. “Não tinha onde morar”, diz, sobre a invasão. Antes, morava no Jardim Tijuca.
Para ele, a invasão foi bem vista pelos moradores do residencial já concluído. “Era um matagal, onde o pessoal usava droga, juntava malandro”, afirma. A expectativa de Everton é que a prefeitura e a empresa entrem num acordo para que o poder público fique com a área e faça um loteamento pela Emha (Agência Municipal de Habitação).
Com material de construção dado pela mãe, Carla Renata Paredes, 20 anos, investe em um lar de alvenaria. A casa é erguida ao lado do barraco na área invadida, onde mora com o filho e o esposo. “Resolvi arriscar”, justifica. Com gravidez de risco, ela conta que não pode trabalhar. Antes, pagava R$ 350 para alugar uma casa. O reforço na renda vem com a locação de um pula-pula para as festas.
Exorbitante – “A pessoa entra, engessa a administração e cria responsabilidade para a prefeitura”, afirma o diretor-presidente da Emha, Enéas Netto. Segundo ele, a orientação do prefeito Marquinhos Trad (PSD) é estudar uma solução para o problema.
“Sabiam que não era área pública, destruíram área de preservação permanente, depois vão ao Ministério Público e a prefeitura tem que arrumar solução para tudo. O invasor tira o direito do inscrito na fila da Emha. Estão querendo ludibriar a administração pública, criando um fato, forçando a prefeitura a dar uma casa ”, afirma Enéas.
De acordo com o diretor, a situação é discutida na Justiça e a prefeitura avalia desapropriar a área, mas o custo pode ser “exorbitante”. Ele explica que por ser massa falida, a solução também envolve muitos atos oficiais e aprovação de credores.
Espera – No último dia 13 de março, o juiz da 2ª Vara Cível, Paulo Afonso de Oliveira, mandou ofício para que a prefeitura de Campo Grande respondesse, no prazo de 15 dias, se teria condições de adquirir a área, “possibilitando que o conflito seja resolvido de forma pacífica”. A massa falida é administrada pela Capital Administradora Judicial. As áreas estavam em edital para leilão, com 30 lotes avaliados em R$ 33,1 milhões.
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