Para fim de polêmica em doação de sangue, lei derruba artigo que barra gays
9:20 07/08/2019
[Via Campo Grande News]
São vários os relatos de gays que sentem discriminados na hora de doar sangue. Muitos dizem que são proibidos só pelo fato de serem homossexuais. Outros reclamam do despreparo de profissionais para lidar com doadores que são sinceros sobre a orientação sexual. Tem gente que garante que, quando conseguem, a doação é descartada após a coleta. Para pôr fim a isso, um projeto de lei, apresentado nesta terça-feira (6), na Assembleia Legislativa, quer acabar com a “proibição”.
Proposto pelo deputado João Henrique (PL), a medida determina que os critérios para doação de sangue “deverão ser baseados em evidências científicas”. Se aprovado, o projeto não permite a exclusão de doador por qualquer tipo de preconceito por etnia, cor, gênero, orientação sexual ou “qualquer outro pretexto discriminatório”.
A intenção, segundo o deputado, é excluir em Mato Grosso dos Sul os requisitos da portaria do Ministério da Saúde que considera inapto temporário por 12 meses “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes”.
O autor justifica que o requisito afronta o direito fundamental da igualdade. “E em razão do desrespeito ao direito da dignidade da pessoa humana que está ocorrendo na triagem de doadores em todo território nacional, a lei é necessária”.
Relatos – Mas contrariando a afirmativa, pessoas revelam que a dificuldade é vivenciada apenas por quem, de forma honesta, não quer esconder sua orientação sexual ou de gênero. Publicitário, de 28 anos, que prefere não ser identificado, conta que recentemente tentou doar sangue no hemocentro de Campo Grande e não conseguiu. “Falaram que como eu tinha me relacionado com pessoa do mesmo sexo em menos de 1 ano, eu teria uma ‘janela’ em que os exames não detectariam uma doença caso eu estivesse. Detalhe que eu namorava há 3 anos e a relação era apenas com 1 pessoa”, conta.
Mas outro motivo exposto, que na visão dele escracha o preconceito, foi quando o médico disse que o seu “tipo sanguíneo” não era necessário naquele momento. “Estavam fazendo até campanha para doação de sangue porque estava em falta, e nem souberam revelar qual era o meu tipo sanguíneo, mas na hora entendi que ele se referia ao tipo sanguíneo de um gay”.
Já em Três Lagoas, o servidor público, de 31 anos, Clécius Abrahão Ataide, é homossexual e nos últimos seis anos nunca foi impedido de doar sangue, mas é contra as normativas estabelecidas pelo Ministério da Saúde. “Primeiro que ela é inconstitucional. Segundo quem me garante que um relacionamento hétero é blindado contra DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis)? Geneticamente ninguém tem essa certeza. Outra coisa, é feito um exame com o seu sangue e se o próprio órgão não confia no exame que é feito, precisamos questionar outras coisas”.
Clécius garante que quando vai doar, respeita todas as regras para ser aceito na triagem, mas já ouviu inúmeros relatos de amigos que, fora do Estado, sofrem barreiras. “Nunca sofri restrições, respeito as regras porque é uma escolha minha e tenho consciência que estou lidando com vidas, porém, amigos de São Paulo disseram que isso é muito mais incisivo por lá”.
Opinião – Na visão de Pablo Pacheco, Presidente do Apolo Jovem, da Rede Apolo (Rede de Homens Gays e Bissexuais de Mato Grosso do Sul), já passou da hora de acabar com a proibição. “Ela foi criada por um preconceito existente de que todo LGBT é ‘cheio de doenças pois são promíscuos. Hoje, passou da hora de verem que não é apenas a sexualidade que faz o indivíduo. LGBT ou não, todos estão passíveis a ter doenças”.
Para o presidente da Rede Apolo, Diego Gonçalves Rodrigues, a iniciativa pode afetar positivamente as pessoas que querem doar e não conseguem. “São vários fatores a serem considerados nessa proposição, além da possibilidade de haver mais sangue disponível para eventuais receptores (salvar vidas), é possível ter o respeito à dignidade humana, já que até a homofobia passou a ser crime neste país”.
A proposta do deputado agora segue para análise da Comissão de Constituição, Justiça e Redação.
Apesar de ser uma portaria federal editada pelo Ministério da Saúde, o deputado diz que “há competência constitucional concorrente para legislar sobre saúde”, afirmou.
Ele ainda argumenta que são em média mais de 18 milhões de litros de sangue desperdiçados no Brasil e defende igualdade na hora da doação. “Imagina o quão grosseiro e discriminatório é não poder doar por causa da sua orientação sexual. Imaginar essa cena na prática, a partir de vários relatos e por ser um doador assíduo desde os meus 18 anos, me fez começar a estudar com profundidade a defesa dessas pessoas. No momento em que é possível ajudar, um cidadão tem que se submeter a uma política de saúde em que há exclusão”, pontua.
Também já existe no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo PPS (Partido Popular Socialista), para considerar essa portaria inconstitucional. Já votaram 5 ministros: 4 consideram a portaria inconstitucional e 1 considera apenas parte da ação. No entanto, o julgamento está suspenso por um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes desde de outubro de 2017.
O Hemosul de Campo Grande se posicionou dizendo que a rede apenas segue as normativas federais e que a “triagem considera apto ou não apto a doar de acordo com o comportamento sexual e não a orientação sexual”, comentou.
E também afirma que há uma “confusão” com relação ao que é preconceito, uma vez que a triagem também considera inapto, por 12 meses, a pessoa (seja homem ou mulher) “que tenha feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos ou seus respectivos parceiros sexuais”.
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