Quando Campo Grande vira estrada, cemitério guarda história de famílias antigas
9:20 06/02/2019
[Via Campo Grande News]
Na beira da Rodovia 060, o pequeno cemitério de túmulos marcados pelo tempo se destaca entre a paisagem e desperta a curiosidade de quem se aventura pela trilha de terra para explorar o turismo rural a cerca de 15 km do Centro de Campo Grande. Apesar da invasão do mato alto, que cresce ao redor e cria ares de abandono, o lugar não foi esquecido pela família de quem ali repousa. Mesmo não morando mais na região, muitos continuam retornando ao lugar, apegados à memória.
Entre as lápides ainda legíveis, sobrenomes de famílias antigas da região estão marcados no metal: Carrilho, Arantes e Vilela. Os descendentes deixaram o local há muito tempo, tanto que mesmo os vizinhos mais antigos, como Eurípede Sabino Pacheco, de 67 anos, que mora na região há 33 anos só foi capaz de indicar a direção de uma das famílias citadas, os Vilela. E só depois de uma tarde de buscas, parando em cada porteira ao redor do pequeno cemitério é que chegamos a um dos últimos guardiões do lugar, que é a representação clássica da passagem do tempo.
Hoje, quem cuida do local é o advogado Porfírio Martins Vilela, de 62 anos, que garante voltar ao cemitério, pelo menos, duas vezes ao ano para limpar o lixo acumulado e tirar o mato, um trabalho que “herdou” do pai, Gonçalves Luiz Martins, que não descansa naquela terra, mas dedicou os últimos anos de vida a preservação do repouso final da esposa, Floriza Vilela Martins.
“Quando criança, sempre visitei o lugar com os meus pais, meus avós, pais da minha mãe estão lá, meus tios, primos e até uma irmã que morreu ainda criança e eu não conheci. Nessa época, minha mãe sempre manifestou a vontade de descansar ao lado dos pais e em 1985, quando perdemos ela, pudemos realizar esse último desejo”, relembra Porfiro. A fazenda da família onde o cemitério está localizado foi vendida há tanto tempo que ele nem se lembra mais, mas o novo proprietário permite que os familiares visitem o lugar e façam a manutenção, mas proibiu novos sepultamentos.
Porfiro conta que para o pai, se despedir da esposa depois de 46 anos de casamento foi uma dos momentos mais difíceis da vida, “Acredito que para ele, visitar o local e manter preservado, significava continuar perto dela, era o meio dele sentir aquela perda. Em 1985, quando perdemos ela, foi ele quem cuidou de todos os detalhes e construiu ao lado uma laje com o nome dele, bem ao lado do túmulo dela, mas por conta da mudança de proprietário, quando chegou a vez dele, precisamos levar ele para outro lugar”, diz.
Enquanto tiver saúde, Porfírio afirma que continuará fazendo a manutenção do cemitério ligado a família. Mostra inclusive, a agenda do celular, onde a próxima visita está marcada para o dia 15 de maio. Para ele, é importante fazer mais pelos entes queridos enquanto estão vivos, mas as lembranças e recordações não devem ser abandonadas por quem guarda a existência dos que já se foram com carinho na memória.
Ao lado dos pais, o último de desejo de Floriza de descansar perto da família foi atendido (Foto: Paulo Francis)
Na sepultura construída por Gonçalves para ficar ao lado da esposa, está apenas a lápide como representação simbólica do desejo que não pode ser atendido (Foto: Paulo Francis)
As flores artificias são prova da passagem recente de alguém por ali (Foto: Paulo Francis)
Para o advogado, a explicação para pequenos cemitérios feitos para famílias inteiras era a falta de locais públicos para sepultar os mortos, tanto que é uma cena comum em antigas fazendas e aglomerados de chácaras. “Eu vejo assim, as pessoas não precisavam passar pelo Instituto Médico Legal (IMOL), não precisavam de atestado de óbito, então falecia alguém os familiares arrumavam um carpinteiro, fazia um caixão de tábua e sepultavam lá mesmo, criando a tradição de permanecer na terra onde passaram a vida”, relata.
Quando ele nasceu, os avós já estavam sepultados ali e muitos outros antes deles, tanto que boa parte das lápides já não tem identificação e algumas sepulturas perderam, inclusive, qualquer sinalização de que alguém foi enterrado ali. Ele acredita que a tradição tenha começado por volta de 1900, quando as famílias se instalaram na região e as terras ainda pertenciam a Laurindo Carrilho, um dos sobrenomes em maior quantidade no lugar.
A família Vilela, assim como outras, veio de carro de boi de Jataí, no interior de Goiás, em busca de mais espaço e uma terra para criar raízes. “Eles colocaram tudo o que tinham no carro de boi e vieram tocando as vacas e os cavalos, trouxeram porcos e levaram quase dois anos, parando ao longo do caminho para plantar verduras e arroz quando a comida ficava pouca até se instalarem definitivamente na região do Córrego Botas”, conta.
Assim como os antepassados de Porfirio, que carrega o mesmo nome do avô, as outras pessoas enterradas no cemitério a beira da estrada também tiveram forte ligação com a terra a vida inteira. Naquela época, todo mundo trabalhava na lavoura, na produção de leite e queijo. “Eles levaram uma vida de levantar cedo, ordenhar as vacas, plantar o arroz e o feijão, criar o porco e a galinha e a tradição, são todos descendentes de goiano e mineiro e a tradição era sempre essa”, afirma.
Simbólico para quem fica, Porfiro cuida do cemitério como se fosse uma extensão da casa dos pais, preservando a memória de quem já partiu como gostaria de ver a própria memória preservada por aqueles que fizeram parte da história e da linhagem da família.
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