Saúde mental das crianças foi afetada durante a pandemia
15:02 18/01/2022
Medos, incertezas e traumas provocados pelo longo período de isolamento comprometem a qualidade de vida de crianças e de adolescentes
Mais do que nunca, hoje se faz necessário um debate profundo sobre os impactos negativos que a pandemia já causou, vem causando e ainda vai causar, relacionados principalmente à saúde mental da população mais jovem.
As consequências negativas para a saúde mental de crianças e adolescentes ocorrem, também, por causa da quebra da rotina e da vida social das escolas, pela experiência do isolamento social e pela perda de familiares, além da dificuldade de acesso à assistência e ao tratamento médico adequado com a paralisação ou a falta de regularidade dos serviços de saúde, restando apenas o atendimento virtual.
Segundo a pediatra Gesika Amorim, crianças entre dois e quatro anos de idade perderam, praticamente, dois anos do início de suas vidas.
“São crianças que não conviveram em sociedade, elas não sabem brincar com outras crianças, não conviveram em família e, em muitas situações, não aprenderam a cumprir regras e ordens. São crianças que não tiveram infância”, afirma a especialista em neurologia e psiquiatria, que possui mestrado em educação médica e dedica-se a diversos segmentos da saúde mental, a exemplo do autismo e do neurodesenvolvimento.
“Sem acesso à nossa realidade antes da pandemia, elas conhecem uma realidade completamente anômala, principalmente aquelas crianças que vivem fechadas em apartamentos”, explica a pediatra.
“O impacto tem acontecido também com a volta às aulas, quando essas crianças são vistas de fora, pelos professores e por outras pessoas. Esse é um outro momento, um novo capítulo, e certamente haverá, como já temos visto, uma explosão de diagnósticos de transtornos de neurodesenvolvimento, algo de que já vínhamos falando tempos atrás”, complementa.
Com um evento tão adverso em escala global, que também é apontado como gatilho para o aumento do estresse e da violência, a pandemia quebrou o ciclo do desenvolvimento das crianças, tanto pela série de alterações na chamada “arquitetura cerebral” quanto pela reconfiguração no sistema imunológico e nos hormônios.
SUICÍDIO
Ainda sobre os impactos negativos, a médica alerta para o estresse parental e social, que pode prejudicar o crescimento e o desenvolvimento das crianças. O estresse crônico, segundo Gesika Amorim, vai comprometer, e muito, o desenvolvimento.
Com relação aos jovens e jovens adultos, é preciso também levar em conta o aumento dos casos de suicídio.
“Os adolescentes na faixa de 12 a 16 anos de idade ficaram dois anos em casa em uma fase em que a socialização é muito importante na formação de tribos e de grupos, e isso não aconteceu. Esses adolescentes ficaram dentro de casa convivendo on-line, no mundo virtual. A consequência é que, agora, temos uma juventude que não sabe lidar com o embate, não sabe trabalhar o emocional. Estamos tendo um boom de adolescentes com transtornos comportamentais, transtornos de humor e quadros depressivos, isso porque eles não conhecem as emoções ruins e também não sabem viver em sociedade”, diz Gesika.
“No meu trabalho, tenho visto uma quantidade muito grande de meninos e de crianças com quadros de automutilação, com transtornos depressivos e tentativas de suicídio, isso porque qualquer negativa, qualquer falta de sucesso na vida real é uma experiência extremamente dolorosa para eles”, detalha a especialista.
“São crianças que ficaram dois anos dentro de casa e desaprenderam, ou perderam, uma fase de grande aquisição e desenvolvimento da própria cidadania, por isso elas não sabem lidar com o mundo real, não foram preparadas, não sabem nem ao menos nomear o que estão sentindo”, complementa.
COMO ENFRENTAR
O acesso a atendimento e a tratamento de qualidade deve ser prioridade para que a situação da saúde mental em nosso País seja de fato transformada. É o que defende a médica, que vem militando mais intensamente pela causa desde o início da pandemia.
“O tratamento precisa vir a público, tornar-se mais acessível a todos. Outro ponto é o tratamento de transtornos mentais para a prevenção do suicídio, pois falar apenas não resolve. Os jovens não procuram tratamento, eles não têm nenhuma iniciativa. Eles só procuram quando veem que um outro jovem da mesma turma, algum amigo ou conhecido com que tenham alguma identificação, procurou por tratamento”, afirma.
Em primeiro lugar, precisamos nos adaptar ao novo, a essa nova realidade que se apresentou para todos nós.
“E precisamos ensinar os jovens a reconhecer as próprias emoções. Precisamos ensinar os pais a serem pais, porque hoje eles se encontram perdidos. Diferentemente de nós, que aprendemos a enfrentar as dificuldades e a viver nossa verdade e liberdade, as novas gerações não sabem lidar com a adversidade, não aprenderam a lutar”, diz Gesika.
“É uma geração que não sofreu e, de repente, perdeu tudo o que tinha. Seu mundo deixou de ser cor-de-rosa. Outra coisa importante é a quebra do preconceito. É preciso trazer a discussão para a mídia, discutir o adoecimento que esses jovens estão passando. E também precisamos vencer as barreiras do preconceito do tratamento de saúde mental”, finaliza a especialista.
Via Correio do Estado MS
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